Postado em 7 de março de 2018

Prisão automática após decisão judicial de 2° grau

Autor(a): Daniel Murad Ramos

O STJ negou habeas corpus para Lula. Três ministros rejeitaram o apelo por questões meramente processuais e dois declararam legal a prisão automática após julgamento em segunda instância.

A espetacularização do julgamento, por envolver ódio e amor, e também por influenciar na política, afasta a visão da lei. A imprensa não ajuda na compreensão de questões jurídicas, por estar envolvida até o pescoço com o jogo político.

A lei é simples e clara, embora esteja sendo adaptada às conveniências que infelizmente servem à parte do judiciário. Vou citá-la:

“Artigo. 283 do CPP. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória TRANSITADA EM JULGADO, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011)”.

“Artigo 105 da Lei de Execuções Penais. TRASITANDO EM JULGADO a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução.”


Já o art. 5º, LVII da Constituição Federal diz o seguinte:

“LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”

De outro lado anos e anos de advocacia nos demonstram que o judiciário muitas vezes age com desacerto. E isso infelizmente acaba sendo uma constante com o número imenso de processos submetidos aos magistrados e a cobrança absurda de metas numéricas, que tendem a aumentar a possibilidade de erros e injustiças. Daí a necessidade de recursos. E daí porque o legislador estabeleceu muito claramente como regra que ninguém poderá ser preso antes do trânsito em julgado, tendo em vista a preciosidade da liberdade.

As interpretações contrárias são artificiais e perigosíssimas. Direito fundamental teve ser aplicado com plenitude e não mitigado. Ao seguir a linha que alguns Ministros do STF defendem daqui a pouco teremos, a despeito da Carta Magna, casos de tortura tolerados, algumas penas cruéis admitidas, grampos sem autorização legal admitidos, tudo em nome de um “punitivismo” insano e seletivo.


Não se negocia com direitos fundamentais.

Mas há quem julgue normal, sem as necessidades de uma prisão cautelar e à despeito da Lei e do princípio basilar da liberdade, que um cidadão (quem quer que seja) julgado em segunda instância já cumpra pena, não obstante a clareza dos artigos acima citados.

A realidade demonstra em um período de sete anos (ao contrário do que divulgou recentemente a Globo), os seguintes percentuais de reformas de decisão de segundo grau pelo STJ (de janeiro de 2009 a agosto de 2016):

Portanto, com a prisão imediata após a decisão de 2º grau, 1 em cada 4 réus do período mencionado, que foram inocentados ou tiveram penas atenuadas no STJ, podem ter permanecido presos injustamente.

Não é pouco. Em números em torno de 30.000 pessoas.

Prisões imediatas podem ser feitas pelo Estado pela via cautelar (prisão preventiva e temporária) quando efetivamente necessárias. Mas, infelizmente, no nosso país, a Lei e a Constituição não estão sendo preservadas por quem deveria garanti-las.

Não se trata aqui de defender fulano ou beltrano. Temos de defender a Lei. Por isso, o Conselho Federal da OAB ajuizou a ação direta de constitucionalidade n. 44, justamente para garantia da liberdade como regra, até o trânsito em julgado de decisão condenatória. Apenas o trânsito em julgado declara a culpa, sendo que até então o cidadão deve ser tratado como inocente e a restrição de sua liberdade ou outros direitos deve ser objeto de medidas cautelares definidas em lei.

Curiosamente o STF, que em 2009 prezava a necessidade do trânsito em julgado para cumprimento automático da pena resolveu alterar tal entendimento em 2016.

Daniel Murad Ramos
Advogado
Foi por duas gestões Presidente da OAB de Alfenas, na qual exerceu também os cargos de Conselheiro e Vice- Presidente. Atualmente é Conselheiro Estadual de OAB de Minas Gerais e Diretor Executivo do Sindicato dos Advogados de Minas Gerais.

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