Postado em 20 de outubro de 2020

A chaga da corrupção

Autor(a): Humberto Azevedo

A segunda semana de outubro, onde alcançamos a marca de mais de 150 mil mortes causadas pelo novo coronavírus, chega ao fim com a república brasileira espantada e satirizada pelos métodos nada ortodoxos de que o até então vice-líder do governo do presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido), no Senado, Chico Rodrigues (DEM-RR), utilizou para tentar escapar do flagrante que a Polícia Federal promoveu nesta última quarta-feira, 14, para findar um esquema de desvio de recursos do Ministério da Saúde na capital roraimense, Boa Vista, que seriam destinados ao combate à pandemia naquela localidade.

O governo que se elegeu com a bandeira anti-corrupção, em 2.018, com o voto de mais de 57 milhões de brasileiros se viu nesta semana numa clara situação incômoda e de desconforto causada por um até então aliado de primeira hora das hordas bolsonaristas que tomou conta do país. Filiado ao Democratas (DEM), antigo Partido da Frente Liberal (PFL), Chico Rodrigues parece que vai ter seu fim político decretado. Não só por conta do afastamento temporário, de 90 dias, determinado pelo ministro da Suprema Corte, Luís Barroso, nesta quinta-feira, 15, que baseou sua decisão nos espantosos autos de infração registrados pelos policiais federais, mas também por que, apesar de o despacho estar longe de uma condenação em trânsito julgado, o episódio causou inúmeros prejuízos políticos e eleitorais a sigla partidária que está a frente das duas Casas legislativas e presididas por integrantes do partido.

O caso, mais um dos inúmeros assaltos ao poder público cometido por agentes políticos, vai entrar para a história não por conta dos valores em si, mas, sim, por conta da pilhéria que inundou as novas formas de comunicação dos brasileiros. Apesar de ridículo, a nova forma encontrada por agentes políticos para esconder a materialidade dos crimes cometidos remonta ao triste passado em que se registra que inúmeros seres até então escravizados escondiam os recursos que conseguiam com a ajuda de beneficentes os valores que serviriam para comprar a própria alforria e assim fugir dos açoites e daquela vida eterna que acontecia entre correntes e labor forçado.

A corrupção brasileira de cada dia, que não surgiu no país, e sim veio importada de nossos colonizadores dos idos que reportam ao surgimento da civilização humana, encontrou terreno fértil para se desenvolver nestas terras graças ao modus operandis em que se deu nossa colonização: espoliadora, exploradora e escravocrata. Para fugir destes três regimes impostos, a saída era enfrentar isso com a prática da corrupção e do contrabando, ou então aceitar a morte mais cedo, ou mais tarde.

Tanto é que um dos falsos heróis construídos pelas páginas nada gloriosas de uma certa operação Lava Jato, que aqui jazz, o delegado da PF, Wallace Noble, encontrou também com o seu destino, ao ser preso nesta última quinta-feira, 15, por pertencer a um esquema de recebimento de propina pago a policiais civis e federais em troca de que empresas e empresários fossem esquecidos e retirados das investigações em andamento. Noble entrou para a história do falso ideário de combate a corrupção, quando algemou de forma completamente ilegal e despropositada o almirante e cientista Othon Luiz Pinheiro da Silva, com então 76 anos, responsável pelo projeto brasileiro de desenvolvimento de um submarino nuclear, acusado de praticar irregularidades em denúncia formalizada por uma advogada do Departamento de Justiça do governo dos Estados Unidos (EUA), que um ano antes era funcionária do maior escritório de advocacia que atendia a indústria nuclear norte-americana.

Assim, a chaga da corrupção que nos persegue desde a nossa formação continuará dando às caras. Visto que o combate à corrupção não é feito com discurso, ou com falso moralismo e, sim, com práticas regulares que devem permanecer as mesmas por décadas e séculos, ajustando sempre os órgãos de controle que, por ora, estão sob ameaça e a tutela daqueles que não se interessam pelo fim da corrupção e, sim, pela permanência perene dela. Corrupção não se combate com goela e muito menos com discussão político-partidária, se combate com organismos independentes, parceria com entidades da sociedade civil, em silêncio e sem pirotecnia.



** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Alfenas Hoje.

Humberto Azevedo
Jornalista e consultor político
Humberto Azevedo é jornalista profissional, repórter free lancer, consultor político, pedagogo com especialização em docência do ensino superior, além de professor universitário, em Brasília (DF).



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