O silêncio das instituições ou a vida de Dostoiévski
Autor(a): Humberto Azevedo
Enquanto a última semana de maio vai se encerrando com quase 30 mil mortes, no Brasil, causada pelo novo coronavírus (covid-19), chama a atenção outros fatos que não tem nenhuma relação com aquilo que deveria ser o fato mais importante: a saúde e a vida dos brasileiros.
As instituições testam suas forças, radicais e extremistas vão às ruas atacar jornalistas e ameaçar as autoridades que poderiam ser um entrave para a salvação messiânica que muitos dos mais de 57 milhões de compatriotas escolheram nas últimas eleições.
Cumprindo ordens judiciais, a Polícia Federal (PF) apreende e encalacra o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), que estaria envolvido num esquema de corrupção na aquisição de respiradores. Assim como visitou empresários e aliados do presidente brasileiro que são acusados de comandar um esquema de divulgação de notícias falsas.
Paralelo a isso, os fatos não param em nenhum momento com inúmeras declarações dadas uma atrás da outra. A notícia de 5 minutos atrás ganha ares obsoletos. A manchete de ontem literalmente parece que foi noticiada anos atrás. Alguns cientistas chamam isso de a era da pós-verdade. O que é deixa de ser, o que seria não é mais.
O século 21 tão lembrado pelas parafernálias tecnológicas cada vez mais vai lembrando tempos idos em que a ciência e o conhecimento eram tidos como objetos de bruxos e feiticeiros. Talvez, assim, a melhor representação seja em numeral romano: XXI. E o melhor resumo para a época em que vivemos é uma frase que sempre foi dita pelo escritor russo Fiódor Dostoiévski, autor de obras consagradas como Crime e Castigo, dentre outras: dinheiro, sempre o dinheiro.
Profundamente humano até pelas agruras que viveu quando desterrado num campo de concentração na Sibéria czarista, católico ortodoxo fervoroso, conservador e defensor do messianismo como regime para depuração dos pecados, Dostoiévski vivia entre a idolatria e a inveja de seus conterrâneos e contemporâneos.
Viciado em jogo de roleta viu a fortuna herdada da família se esvair. Apaixonado pela vida viu seus vários romances com mulheres desejáveis da época lhe renderem fama de devasso e libertino. Escreveu vários dos seus livros no correr da pena para cumprir contratos assinados que lhe rendiam receitas antecipadas, mas insuficientes para o pagamento de todas as suas dívidas.
Epiléptico, viu nesta doença o seu último drama quando perdeu seu filho, Alesha, morto aos cinco anos ao ter um ataque de epilepsia. Cansado e derrotado da vida mundana se transformou num ser recluso. Isolando-se, deixou seus royalties a cargo da esposa, Anna, que também foi sua estenógrafa, e da filha.
Este pequeno resumo da vida de Dostoiévski se faz necessário. O Brasil deste início do século 21 está cada vez mais parecido com a Rússia do século XIX, pré-revolução que mudou o destino naquele país em 1.917.
A falta completa de decoro a que assistimos cotidianamente pelos responsáveis da governança brasileira, a sucessão de possíveis crimes cometidos pelos agentes do Poder Executivo federal e o silêncio das demais autoridades das instituições tupiniquins parece mostrar que estamos vivendo em algum romance escrito por Dostoiévski.
Enquanto isso, nesta última quinta-feira, 28, as mortes notificadas pelo Ministério da Saúde alcançaram a impressionante marca de 26.754. Já nesta sexta-feira, 29, o Brasil deverá passar o número de óbitos registrado pela Espanha. Ficando atrás apenas de Estados Unidos, Inglaterra e Itália. No número de casos devemos bater nos próximos dias a marca de meio milhão de pessoas e atrás apenas dos EUA.
* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Alfenas Hoje