O triste 2016
Autor(a): Daniel Murad Ramos
2016 foi o ano da fraude e da mentira. Deixando de lado princípios basilares da democracia, do republicanismo e do Estado de Direito, nosso país foi jogado em uma aventura reacionária, que custa e custará caro para o povo.
Há um sentido básico na formação de um Estado de Direito de que o poder emana do povo. O ideal seria que tal poder fosse executado de forma mais direta, no que Habermas chamou de democracia deliberativa. Mas o simples fato da democracia representativa, emanada do voto popular, ser rompida por um simples engodo e ao arrepio da Constituição, gera um precedente da pior qualidade, que coloca em cheque toda a base do Estado democrático.
Assim, num jogo sujo, com participação efetiva da mídia, vendeu-se a tese de que o governo eleito em 2015 precisava ser tirado a qualquer custo. Às favas 54 milhões de votos!!! Promovido a salvador da pátria pela grande mídia, o Vice-Presidente Michel Temer articulou traiçoeiramente com que havia de pior na base de Dilma e com o grupo político repudiado nas eleições. Contou com a cumplicidade do Supremo Tribunal Federal e a participação ativa do judiciário engajado, bem como a mentira sistemática transmitida pela grande mídia.
Apenas um cego não vê que o golpe não salvou a economia ( muito pelo contrário), jogou o Brasil em um crise institucional ( pior que a política) e deu força para um governo ilegítimo propor projetos absolutamente lesivos ao povo e destrutivos do Estado forjado na Carta de 1988.
E é bom que sempre se repita: não era o caso de defender o governo de Dilma, que merecia críticas e oposição enérgica. Era o caso de não se atirar na aventura golpista. Defender a democracia.
Tudo não seria possível sem que uma parte do povo, notadamente setores significativos da classe média, fossem tragados pela ilusão do discurso do impeachment. Ao demonizar Lula e o PT e não enxergar a corrupção como um problema da estruturação política e administrativa do Estado Brasileiro e em particular do presidencialismo de coalizão, que existe – embora impune e escondida – desde sempre, e achar que sua solução está no simples e mero punitivismo, criou-se a figura do moralista sem moral. E o moralista sem moral, de forma triste para não ser irônica, ajudou a colocar no poder um governo absolutamente corrupto, que traz nos seus quadros simplesmente o pior da política brasileira, embora parte agraciada pelo não “vem ao caso” de nossos justiceiros.
Abra-se aqui um parênteses para comentar a emblemática foto do paladino da moralidade Sérgio Moro, conversando carinhosamente com Aécio Neves, sentado atrás de Temer, Serra e Meirelles, em um evento privado. Postura indecente para um Magistrado, ainda mais um Magistrado que busca com lupa pelo em ovo de Sitio e Triplex de uma banda política e não consegue enxergar uma gama extensa de podridão da outra, muito bem representada e carinhosamente tratada naquele evento.
Não é possível que um sujeito inteligente como Sérgio Fernando Moro, que se inspirou na Manu Pulite ( mãos limpas) italiana, não tenha a noção exata de que aquela operação, por não ser acompanhada de medidas de reestruturação administrativas e políticas, longe de acabar com a corrupção, fez chegar ao poder um Silvio Berlusconi.
Mas o que se percebe no Brasil é a corrupção utilizada pela mídia, em conluio com setores do MP e do Judiciário como cavalo de guerra para a luta política. Infelizmente a seletividade e inobservância de critérios de igualdade nas apurações, a espetacularização absoluta e o desrespeito aos direitos fundamentais não trazem muito ânimo com relação às glamorosas operações.
Ainda acho que o caso da Odebrecht, por exemplo, que envolve toda a fauna politica brasileira, com raras exceções, terminará numa enorme pizza, onde se dirá, como alguns já dizem, que Caixa 2 não é propina ( ao menos para alguns). Enquanto José Dirceu apodrece na prisão, outros, como José Serra, que parece ter recebido vinte e três milhões em conta no estrangeiro, representa orgulhosamente nosso país no exterior. Sim: parece que um mundo mais tranquilo aguarda Mineirinho ( Aécio), o Santo (Alkmin), Botafogo( Rodrigo Maia), Caju ( Jucá), José Agripino ( gripado), Primo ( Eliseu Padilha) , Babel ( Geddel) e o Angorá ( Moreira Franco). Pasmem: todos do núcleo duro do governo Temer, que foi colocado no poder para acabar com a corrupção por moralistas de blusa amarela espumando ódio... A análise de conjuntura no Brasil está exigindo o estudo de Freud...
Evidentemente, não é com o punitivismo e com o desrespeito aos direitos fundamentais de qualquer cidadão, que alcançaremos o controle da corrupção ( pois seu fim é impossível, máxime na estrutura do sistema capitalista, onde o que se busca e enriquecer, e não de forma justa, embora por vezes lícita).
Diante da ignorância histórica, à qual incluo inclusive os abnegados justiceiros da República de Curitiba, 2016 foi o ano do retrocesso: retrocedemos em termos políticos, colocando no poder sem votos políticos absolutamente corruptos, retrocedemos na garantia dos direitos das minorias, retrocedemos no cenário internacional ao voltar a ser pura e simplesmente uma República de bananas fora da estrutura multipolar que se pretende construir, retrocedemos na organização política e vemos nossos Poderes se transformarem em meros joguetes de brigas coorporativas. Os poucos avanços dos governos anteriores, que, inobstante erros cruciais, trouxeram dignidade mínima para milhões de brasileiros, também vão sendo pulverizados, dia após dia, com uma rapidez impressionante.
Passamos o natal de 2016 com o atual governo escarrando na cara do povo brasileiro, e, para alimentar a sanha dos banqueiros e seus fabulosos negócios com previdência privada, propondo verdadeiros retrocessos no direito à Previdência Pública. A proposta de reforma da Previdência simplesmente jogará uma parte significativa da população brasileira na marginalidade social e postergará a aposentadoria de milhões de trabalhadores.
E nosso povo que já foi às ruas pedir “ Saúde e Educação padrão FIFA”, agora terá congelado por vinte anos os já escassos investimentos em tais serviços públicos através da malferida PEC 55. Tudo para garantir o pagamento da questionável dívida pública, saciando a sanha do rentismo, mesmo que isso signifique privar a atual e as novas gerações de condições mínimas de vida.
A ignorância e o ódio conseguiram levar adiante todo esse disparate.
Que o Natal em seu simbolismo verdadeiramente cristão possa abrir nossos olhos. O filho de Deus nascia menino pobre em uma manjedoura, no seio de uma família operária. Não em um palácio opulento. Antes de seguir ao Reino dos Céus deu como exemplos solidariedade e amor, defendendo os oprimidos e excluídos, até ser morto pelas elites e pelo império.
Compreender é o primeiro passo. Mas não é tudo. Mudar a realidade apenas se dará com luta constante de todos nós.
Que em 2017 comecemos a sair desse ciclo vicioso, forjado no medo, ódio e ignorância.