Postado em quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022 às 20:08

Rússia e Ucrânia, uma crise e uma História

Confira o artigo escrito pelo professor do curso de História da Unifal, Cláudio Umpierre Carlan.


 Por Cláudio Umpierre Carlan

A Rússia, como a maioria dos países, iniciou sua História Nacional em torno de uma monarquia, a Dinastia dos Romanov – foram assassinados, em 1917, o Czar Nicolau II, esposa e cinco filhos, por ordem de Lenin, durante a Revolução Russa/Socialista/Comunista/Bolchevista –, no século XVI. Essa família já era muito importante, politicamente e militarmente, desde o século XIV, mas sua consolidação como uma monarquia absoluta, direito divino, no qual Deus teria escolhido o governante e sua família (o modelo mais famoso é de Luís XIV, na França), se fortaleceu com Ivan IV, apelidado o “Terrível”, em 1547.

Como modelo à época, Ivan seguiu o Império Romano e criou o título de Tzar ou Czar, César/imperador (na Alemanha, por exemplo, usavam Kaizer). Moscou seria a nova Roma. Como todo império, o russo czarista não era diferente: passou para as conquistas territoriais através das guerras e intervenções, transformando uma sociedade medieval em um Estado multiétnico. Ivan era um excelente administrador, mas, como todo autocrata, perseguia, matava e torturava seus inimigos políticos e rivais, por isso alcunha de o “Terrível”. Seus sucessores mantiveram a mesma política expansionista. Um dos seus vizinhos, a Ucrânia, não teve como resistir.

A Ucrânia, tradicionalmente conhecida como primeiro local a domesticar o cavalo (há mais de 4 mil anos), era dividida em 24 Estados, desde o século XIII. Seu idioma, o ucraniano, tem uma certa semelhança com russo e polonês, ambas línguas eslavas. Teve um período de grande apogeu cultural entre os séculos X e XII, porém foi invadida pelo Império Tártaro-Mongol (séculos XIII-XIV), sendo totalmente destruída. Já no século XVII, russos e poloneses dividiram o território ucraniano entre si, começando um novo período de dominação, até a formação da antiga URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, 1922-1991).

Com o final de Primeira Grande Guerra (1914-1918), ocorreu o fim dos Grandes Impérios (HOBSBAWN, 1988, p. 55), ou seja, o Império Russo Czarista, Império Austríaco dos Habsburgos, Império Turco-Otomano e o Império Alemão dos Kaizers (começa o fortalecimento do nazismo na Alemanha) são totalmente destruídos e desmembrados. Nesse sentido, a Polônia e antiga URSS voltam a dividir o território ucraniano. Por esse motivo, até hoje existem regiões ucranianas favoráveis a Moscou, as quais, inclusive, não falam o idioma nacional e, sim, o russo. Esse é o caso, por exemplo, do ex-jogador e técnico da Seleção Ucraniana, Shevchenko, que foi alfabetizado em russo durante domínio soviético.

Até 1930, a Ucrânia conseguiu certa independência, porém, com a entrada de Stálin, como Ditador da extinta URSS, a repressão foi intensa, conhecido como genocídio ucraniano. Durante a Segunda Grande Guerra (1939-1945), a resistência ucraniana lutava contra nazistas e soviéticos simultaneamente. Com o tempo, aliada às perseguições da Getaspo e SS nazista, os ucranianos começaram a lutar diretamente contra Alemanha. Calcula-se que mais de 4 milhões de ucranianos e 500 mil judeus foram assassinados pelas tropas da SS na região.

Em uma partida de futebol, em 1942, Dínamo de Kiev, formado em sua maioria por funcionários de uma padaria, se recusou a entregar o jogo contra os nazistas e ganhou de 5×3, mesmo com o árbitro contra. Os jogadores ucranianos foram mortos e torturados pela Gestapo (DOUGAN, 2004, p. 87). Em 1946, Ucrânia tornou-se membro da ONU.

Do fim da Guerra Fria aos problemas atuais

Ucrânia e URSS retornaram às notícias mundiais em 1986, após o acidente na Usina Nucelar de Chernobil, localizada na cidade de Pripyat, hoje uma cidade fantasma, ao norte do país. Com o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (1991), e, por sua vez, o fim do Comunismo/Socialismo Russo, a Ucrânia realizou um referendo popular e voltou a ser um Estado independente. Em 2014, a população ucraniana exigiu uma maior participação do país com a União Europeia, o que resultou em uma guerra civil na Crimeia, ao sul. A maioria dos habitantes da Crimeia são pró-Rússia. Eles acusaram a OTAN/EUA de interferência, culminando no Pacto de Genebra, no mesmo ano, entre Rússia, EUA e Ucrânia – pacto este que Moscou acusa Washington de não cumprir.

Assim, essa nova guinada ucraniana, visando a uma aproximação do ocidente (leia-se OTAN/EUA/União Europeia), acendeu o alerta na Rússia. A visão russa é simples: a Ucrânia tem laços com a Rússia desde o período da monarquia czarista e não pretende acabar agora. Além do petróleo, gás natural (que abastece toda a Europa e é muito mais barato que a energia elétrica brasileira, por exemplo) e conhecimento nuclear, o país seria uma porta de entrada da OTAN na Europa Oriental, próxima aos rivais de Moscou, podendo desencadear uma guerra de proporções mundiais. Países vizinhos, como Polônia e Hungria, estão em alerta, entrincheirados.

A crise entre Ucrânia e Rússia não começou ontem, uma vez que vem desde a expansão do Império Romanov. Muitos estados ucranianos são pró-Rússia, tem o idioma e a cultura russa como elementos principais e são consequências de séculos de guerras e conquistas na formação dos Estados Nacionais. Cabe à diplomacia agir, deixar os exércitos de lado. Aliás, até as Forças Armadas usam de diplomacia antes de qualquer embate. Trata-se de razão sempre à frente da emoção. Eis, então, a importância do Estudo Histórico, das Ciências Humanas como um todo. Analisamos o passado para conhecermos o presente, a fim de encontramos soluções para o futuro.

Referências

https://sevilla.abc.es/internacional/
DOUGAN, Andy. Futebol e Guerra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editora, 2004.
HOBSBAWN, Eric. A Era dos Impérios (1875-1914). Tradução Sieni Maria Campos e Yolanda S. de Toledo. São Paulo: Edições Paz e Terra, 1988.

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Alfenas Hoje



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