Postado em sábado, 24 de fevereiro de 2024 às 11:33

Campanha da Fraternidade 2024: fraternidade e amizade social

Artigo publicado pelo prof. Dr. Elvis Rezende Messias, da Universidade Estadual de Minas Gerais.


Prof. Dr. Elvis Rezende Messias
(UEMG Campanha)


No dia 14 de fevereiro, Quarta-Feira de Cinzas, teve início a Campanha da Fraternidade (CF) de 2024, uma das campanhas conduzidas no Brasil pela Igreja Católica Apostólica Romana. Nesse ano, a CF completa 60 anos. Em 26 de dezembro de 1963, o então secretário geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Hélder Câmara, compartilhou uma carta aos bispos brasileiros com as intenções e sugestões de vivência de uma campanha nacional, a exemplo do que já havia ocorrido em 1962 na Arquidiocese de Natal-RN, à época sob o pastoreio de Dom Eugênio Salles. Acolhida a proposta, em 1964 ocorreu a primeira CF no Brasil, com o tema “Igreja em renovação” e o lema “Lembre-se: você também é Igreja”, tendo em vista a unidade da Igreja em prol de uma evangelização que estivesse a serviço da promoção da dignidade humana.

A Campanha da Fraternidade é uma das formas mais especiais da Igreja Católica no Brasil vivenciar a espiritualidade do Tempo Quaresmal. Foi uma pronta resposta dos bispos brasileiros à orientação do Concílio Vaticano II, que, com a Constituição Sacrossanctum Concilium (SC), de 4 de dezembro de 1963, ensinou que “a penitência quaresmal deve ser também externa e social, e não só interna e individual” (SC, n. 110). Como se pode ver, a preocupação com a realidade social é uma das dimensões fundamentais da vida de fé também no período da Quaresma.

Na verdade, é importante compreender que o Evangelho de Jesus Cristo tem profunda incidência social: “Já não se pode afirmar que a religião se deve limitar ao âmbito privado e servir apenas para preparar as almas para o Céu” (Evangelii Gaudium, n. 182). Desse modo, a fé cristã “torna-se luz para iluminar as relações sociais” (Gaudium et Spes, n. 40), já que o próprio Jesus disse que os seus seguidores deviam ser sal da Terra e luz do mundo (cf. Mt 5, 13-14). A fé professada e a vida cotidiana não se separam. E, se há separação, ocorre-se um equívoco triste e perigoso; como diz o Documento de Aparecida (DAp), se levarmos em consideração a América Latina, por exemplo, “é uma contradição dolorosa que o Continente com o maior número de católicos seja também o de maior iniquidade social” (DAp, n. 527).

Desse modo, a Campanha da Fraternidade é uma autêntica forma de vivência da fé cristã. Nesse ano de 2024, ela se deixa inspirar pelos ensinamentos do Papa Francisco presentes na Encíclica Fratelli Tutti (FT), que publicada em outubro de 2020. O tema da CF 2024 é “Fraternidade e Amizade Social” e o seu lema é “Vós sois todos irmãos e irmãs (Mt 23, 8)”.

Com o objetivo geral de “despertar para o valor e a beleza da fraternidade humana, promovendo e fortalecendo os vínculos da amizade social, para que, em Jesus Cristo, a paz seja realidade entre todas as pessoas e povos” (Texto-Base da CF 2024 = TB, p. 7), a CF desse ano nos oferece uma oportunidade concreta de conversão pessoal, comunitária e social, na medida em que nos oportuniza uma ótima ocasião de exame de consciência e de análise de conjuntura.

Os bispos católicos do Brasil nos levam a refletir que estamos vivendo uma forte doença social, que eles chamam de alterofobia (cf. TB, n. 73), isto é, um profundo “medo, rejeição, aversão a tudo aquilo que é outro, que não sou eu mesmo”. Ela é uma espécie de “síndrome de Caim”, fazendo menção ao personagem bíblico que matou o seu próprio irmão, Abel (cf. Gn 4, 1-9).

Os sintomas dessa doença são muitos: inimizades entre as pessoas; indiferença; assassinatos; roubos; infidelidades; intolerância; falta de acolhida do diferente; transformação do diferente em ameaça inimiga a ser destruída; discriminações variadas (por religião, por origem étnica, por gênero, por condição social, econômica, cultural etc.); guerras insanas, sangrentas, genocidas; feminicídio; machismo; assédio moral e sexual; ataques à dignidade integral da vida (da concepção à morte natural); práticas de tortura e de pena de morte; devastação ambiental; bullying, fake News; deep fake; cultura do cancelamento; dificuldade de diálogo; tráfico de drogas e de pessoas; apologia à cultura armamentista, da ameaça, da eliminação das pessoas; discursos de ódio; situações de exploração laboral, novas escravidões; fome; divisões familiares; separações e inimizades por questões políticas; racismo; desconsideração do bem comum; grupos fechados, reacionários e violentos; ataques em escolas e à educação como um todo; sucateamento da educação pública; múltiplas formas de exploração dos outros; rejeição e julgamentos rasos e sem fundamentos; corrupção em diversos segmentos; pedofilia; banalização e espetacularização da morte... São muitos os exemplos que poderiam ser aqui acrescentados que manifestam o quanto estamos vivendo numa sociedade doente (dividida, desigual, excludente, alterofóbica).

Diante dessa cena dolorosa de se ver, mas que precisamos tomar consciência que ela existe, a Campanha da Fraternidade também nos oferece, além do diagnóstico e dos sintomas, um remédio: fraternidade e amizade social. Iluminados pelo próprio Mistério de Deus, que é, em seu próprio seio divino, uma comunhão, a comunhão da Trindade de Pessoas, Pai e Filho e Espírito Santo; e cientes de que fomos criados por esse Deus Trino e Uno à sua imagem e semelhança; a CF 2024 nos coloca em contato direto com a nossa dignidade espiritual mais profunda e nos convida a retomarmos o caminho do bom convívio com nossos irmãos e irmãs de todo o Planeta. Jesus, que é o Caminho, nos indica o caminho: “vós sois todos irmãos e irmãs” (cf. Mt 23, 8); “tudo o que vocês fizerem a um dos pequeninos é a Mim que vocês fazem” (cf. Mt Mt 25, 34-45).

Concretamente, então, podemos dizer que a proposta fundamental é a de alargar o espaço de nossa tenda (cf. Is 54, 2). Temos muito a fazer (cf. TB, n. 128-131). As práticas devem acontecer no âmbito pessoal (cultivar uma espiritualidade de comunhão, uma cultura do encontro, da acolhida, do perdão, da compreensão; cuidar para que não sejamos maus, falsos, rancorosos, egoístas; nos formar para olhar cada pessoa com amor, para saber dialogar, saber ouvir, saber silenciar, apostar no melhor das pessoas, reconciliar, reconhecer a dignidade de imagem de Deus que existe em cada pessoa; fazer bom uso das redes sociais; não difamar ninguém; não mentir nem divulgar inconsistências; fazer uso correto da liberdade de expressão; vivenciar a cultura da paz; envolver-nos em iniciativas pastorais e sociais de promoção do bem comum, da fraternidade e amizade social etc.).

As práticas também devem acontecer em âmbito comunitário (alimentar a espiritualidade comunitária; ser um agente de pastoral; animar as pastorais sociais; nos educar para o bem comum e o respeito pela destinação universal dos bens; favorecer espaços, momentos e centros de escuta amorosa; aprofundar no anúncio e na experiência querigmática; não difundir a divisão e a polarização na comunidade eclesial e social; conhecer com profundidade e praticar a Doutrina Social da Igreja; ser “Igreja em saída” etc.).

As práticas devem ocorrer em âmbito social mais amplo também (vivenciar o voluntariado, a cooperação em iniciativas e movimentos sociais que se baseiam na fraternidade e amizade social; combater os autoritarismos diversos e discursos de ódio; defender a democracia e as instituições do Estado Democrático; apoiar a cultura da paz verdadeira e os direitos humanos em sua completude; participar das reuniões da Câmara de Vereadores de nossa cidade, de audiências públicas, associações de bairro e de cidadania; acompanhar os mandatos políticos com espírito crítico, dialogal e com bom conhecimento da realidade política; fomentar redes de comunicação popular e comunitárias etc.).

Enfim, a CF 2024 nos faz ver que existe uma pedagogia do egoísmo sendo difundida entre nós, mas que podemos combatê-la, especialmente se nos educarmos por uma pedagogia da fraternidade, redescobrindo a grande valor da dignidade de cada pessoa humana. É uma oportunidade singular de conversão, de volta profunda ao Deus da Vida, que nos chama à comunhão e à amizade com Ele (oração), com a gente mesmo (jejum) e com o próximo (caridade), na certeza de que somos todos filhos e filhas do mesmo Pai e, consequentemente, todos irmãos e irmãs.



** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Alfenas Hoje 



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