Postado em quinta-feira, 14 de outubro de 2021
às 15:03
Voando para onde, ministro Paulo Guedes?
Nildred Stael Fernandes Martins e Fernando Batista Pereira, doutores em Economia e professores da Unifal, analisam o cenário econômico diante das declarações recentes do ministro da Economia.
Por Nildred Stael Fernandes Martins e Fernando Batista Pereira
Em recente participação no V Fórum Nacional do Comércio, o ministro da economia Paulo Guedes afirmou que a economia brasileira está “bombando” e “voando”. Sua afirmação tem como base a estimativa de crescimento do PIB em torno de 5,5% em 2021. Com certeza, esse número parece ser uma taxa de crescimento expressiva, à primeira vista. Entretanto, nada condizente com um contexto de inflação crescente, desemprego, aumento da desigualdade e da pobreza.
A primeira observação é a de que esta taxa de crescimento é relativa ao ano anterior, quando o PIB brasileiro caiu 4,1%. Então, se nosso ponto de observação fosse o início de 2020, nossa estimativa de crescimento estaria em torno de 1,17% para todo o biênio 2020-21, o que representa uma taxa média anual de apenas 0,585%. Entretanto, o foco na forte recessão vivida pela economia brasileira em 2020 não nos permite esquecer que, mesmo antes da pandemia, a economia brasileira ainda não havia se recuperado da recessão vivida no biênio 2015-16. Ou seja, para começarmos a falar em recuperação da economia brasileira precisaríamos considerar sua trajetória desde 2015 em que uma breve conta[1] nos mostra que o país precisaria crescer 8,18% para recuperar os níveis de renda de 2014. Desse modo, afirmar que a economia brasileira está “bombando” e “voando” com uma estimativa de crescimento de 5,5% é algo que não condiz com a realidade.
A segunda observação diz respeito à baixa percepção desse crescimento por parte expressiva da população. O cálculo do PIB pode ser feito a partir de três óticas: da renda, da produção e da demanda. Pela ótica da renda são contabilizadas todas as remunerações recebidas pelos fatores de produção (salários, lucros, aluguéis e juros); pela ótica da produção considera-se o valor dos bens e serviços finais, ou valor adicionado em cada etapa produtiva, de tudo que foi produzido no país em um determinado período de tempo; e pela ótica da demanda soma-se o consumo das famílias, os gastos do governo, os investimentos (formação bruta de capital fixo e variação de estoques) e exportações líquidas.
Pois bem, se analisarmos o crescimento pela ótica da renda, prevalecem os ganhos vindos do rentismo (atrelados ao mercado financeiro) ou de atividades exportadoras que geram poucos empregos e baixo efeito dinamizador, como o agronegócio e o setor minerador. De acordo com a PNAD/ IBGE, 14,1 milhões de pessoas estão desempregadas (dados referentes ao trimestre encerrado em julho de 2021), número que esconde os 5,4 milhões que não procuram emprego por desalento, ou ainda as 7,7 milhões de pessoas subocupadas por insuficiência de horas. Por sinal, o mercado de trabalho é cada vez mais dependente da informalidade (36,3 milhões de pessoas), que representa postos de trabalho instáveis e de baixo rendimento – exemplo disso é o fato de que o rendimento médio do trabalhador caiu 8,8% nos últimos 12 meses.
Mas a situação não acaba por aí, ao contrário do que argumenta o senhor ministro. Com rendimento em baixa e inflação em alta (especialmente de itens que compõem a cesta básica), isso acaba implicando aumento da pobreza. Segundo estimativa da FGV Social (https://www.cps.fgv.br/cps/bd/docs/Desigualdade_de_Impactos_Trabalhistas_na_Pandemia_Marcelo-Neri_FGV-Social.pdf), a pobreza atingia, em média, de 23,1 milhões de pessoas em 2019 (antes da pandemia), chegou a cair para 9,8 milhões com o auxílio emergencial em setembro de 2020, mas atingiu 27,7 milhões de pessoas no trimestre encerrado em julho de 2021. O mesmo acontece com o índice de Gini (referente ao rendimento domiciliar per capita obtido do trabalho), que passou de 0,642 no primeiro trimestre de 2020, para 0,674[2] no mesmo trimestre de 2021.
Pela ótica da produção, observa-se que a recuperação da atividade econômica está ocorrendo de forma heterogênea. Serviços (em julho apresentou crescimento de 4% da receita nominal de serviços acumulada em 12 meses (PMS, IBGE)) e comércio (em agosto apresentou crescimento de 5,1% no acumulado de 12 meses (PMC, IBGE)) têm se beneficiado da melhora das condições sanitárias resultantes do avanço da vacinação e da consequente expansão dos níveis de mobilidade urbana, ainda que a inflação e alto nível de desemprego limitem tal recuperação. A indústria (em agosto apresentou queda de 1,3% no acumulado dos últimos 12 meses (PIM-PF/IBGE)) vem enfrentando cenário adverso em decorrência da escassez internacional de matérias-primas, da crise hídrica e consequente aumento dos custos de produção, além do aumento do custo de frete para importações e da retirada de estímulos econômicos na China. Esta queda reforça um problema estrutural que a economia brasileira vem enfrentando, especialmente nas duas últimas décadas, que é a desindustrialização precoce e seus impactos sobre a vulnerabilidade externa, geração de emprego e renda e sustentabilidade dos ciclos de crescimento.
Pela ótica da demanda, na comparação entre o primeiro semestre de 2021 com o primeiro semestre de 2020, o investimento foi o componente que apresentou maior expansão (24,3%), seguido das importações (13,4%), das exportações (7,8%) e do consumo das famílias (4,2%). O consumo do governo apresentou retração de 0,4% (Sistema de Contas Nacionais – IBGE, 2021). De modo geral a elevação dos preços das commodities e a expressiva desvalorização do real contribuíram para o crescimento das exportações, especialmente do agronegócio e da indústria extrativa. Por sua vez, estes setores, juntamente com a construção civil, incentivaram a expansão dos investimentos pelo aumento da demanda por máquinas e equipamentos.
Esta breve análise nos mostrou que o crescimento do PIB brasileiro, especialmente neste primeiro semestre de 2021, resultou da melhora das condições sanitárias, que vêm permitindo o retorno de algumas atividades presenciais, sinalizando que estamos no caminho de volta aos níveis pré pandemia, e não necessariamente de crescimento. Além disso esse crescimento vem se mostrando concentrador de renda, dependente das condições do mercado externo e distante de uma agenda que permita a resolução de problemas estruturais da economia brasileira, como a desindustrialização precoce. Ou seja, se nossa economia está “voando” senhor ministro, as evidências mostram que esta pode ser no máximo uma tentativa de voo da galinha com as asas cortadas.
[1] Taxas de crescimento do PIB entre 2015 e 2020: -3,55; -3,31; 1,06; 1,12; 1,14 e -4,41, respectivamente.
[2] O índice de Gini varia entre 0 e 1. Quanto mais próximo de 1, maior a desigualdade de renda.
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