Postado em quinta-feira, 30 de agosto de 2018 às 10:19

Isaura Garcia, cantora morta há 25 anos, tem a força da personalidade exposta por três atrizes em musical de teatro

Faz hoje 25 anos que saiu de cena Isaura Garcia, cantora paulistana de personalidade forte na vida e na música...


 Faz hoje 25 anos que saiu de cena Isaura Garcia (26 de fevereiro de 1923 – 30 de agosto de 1993), cantora paulistana de personalidade forte na vida e na música. A efeméride certamente tornará especial a sessão do espetáculo Isaura Garcia – O musical nesta quinta-feira, 30 de agosto de 2018.

Em cartaz até 14 de outubro no Teatro Oi Casa Grande, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), o inédito musical é a versão revista, ampliada e opulenta do espetáculo estrelado em 2003 pela atriz Rosamaria Murtinho, protagonista absoluta de Isaurinha Garcia – Personalíssima.

Em Isaura Garcia – O musical, Murtinho divide o protagonismo com Kiara Sasso e Soraya Ravenle. As três atrizes dão vozes à estrela da era do rádio em diferentes fases da vida. A força da personalidade de Isaurinha é exposta em cena pelo talento dessas três intérpretes e é nelas que reside o vigor do espetáculo erguido sob direção artística de Klebber Toledo e Rick Garcia, produtores do musical.


Soraya Ravenle (à esquerda) em cena do musical sobre Isaura Garcia (Foto: Divulgação / Felipe Panfili)

O texto de Julio Fischer – também autor da versão de 2003 – segue com êxito a fórmula esquemática dos musicais biográficos, sequenciando cenas que reconstituem, quase sempre em ordem cronológica, os principais passos da vida dessa cantora carimbada com o epíteto de A personalíssima, estrela cujo apogeu e declínio coincidem com a ascensão e queda da era do rádio no Brasil pré-Bossa Nova.

Com pleno conhecimento da carpintaria teatral, Jacqueline Laurence tira bom rendimento do material dramatúrgico que lhe é oferecido. Se o saldo é positivo, o mérito é do autor, da diretora e do elenco, sobretudo das três atrizes protagonistas, embora os atores Leonardo Brício e Iano Salomão também brilhem nos papéis densos dos maridos – o diretor de rádio Teófilo de Almeida Sá e o organista Walter Wanderley (1932 – 1986) – que, cada um a seu modo, tentaram oprimir a indomada e desbocada Isaurinha.

Repletos de palavrões proferidos pela cantora, os embates conjugais rendem cenas de tom folhetinesco que prendem a atenção do público de meia-idade, alvo preferencial do espetáculo. Músico e arranjador pernambucano que ganhou projeção internacional no embalo da conquista planetária da Bossa Nova, Wanderley é retratado em cena com as tintas fortes que encobrem os maridos violentos, machistas e alcoólatras.


Isaura Garcia (Foto: Reprodução / Capa de caixa de 2013)


Os números musicais costuram bem a ação. Aparentemente solto na abertura da cena, na voz límpida de Kiara Sasso, o samba-canção Inquietação (Ary Barroso, 1935) acaba servindo como uma introdução a tudo o que será visto e ouvido nos dois atos do musical. Até porque o texto jamais romantiza a vida de Isaura Garcia.

Embora a cantora seja mostrada como uma heroína pioneiramente feminista que enfrentou a ira do pai machista e violento (e mais tarde o preconceito de Teófilo e os bofetões de Wanderley), o musical também joga luz sobre a fase crepuscular da cantora, já distante das glórias.

Nessa fase regida pela insegurança e pela consciência de que o brilho da voz já ficou em algum lugar do passado, cabe a Rosamaria Murtinho encarnar Isaura Garcia em cena com toda a expressividade dessa grande atriz que se aventura como cantora em cena ao dar voz maturada a sambas-canção como Edredom vermelho (Herivelto Martins, 1946) e Cansei de ilusões (Tito Madi, 1956). As lembranças amargas de Isaura na fase invernal atravessam todo o espetáculo em cenas melodramáticas protagonizadas por Rosamaria Murtinho.


Rosamaria Murtinho é Isaura Garcia na fase crepuscular (Foto: Divulgação / Felipe Panfili)

Já o primeiro ato é dominado pela luminosidade de Kiara Sasso na pele da jovem Isaurinha, intérprete que carregou no canto o sotaque de quem nasceu e cresceu no Brás, bairro paulistano que concentra imigrantes italianos. É nessa fase inicial que entra em cena, na pele do bom ator Alessandro Faleiro, o cantor paulista Mário Ramos (1923 – 1942), o Vassourinha, amigo e incentivador de Isaurinha na batalha da cantora para se projetar na era do rádio.

O dueto vivaz de Isaura e Vassourinha no baião Pé de manacá (Hervé Cordovil e Marisa Pinto Coelho, 1950) expõe o maior problema do espetáculo: o uso desnecessário de bailarinos em vários números musicais. Aliadas às também excessivas projeções de imagens abstratas no cenário-tela, as danças inseridas nas músicas dá aura kitsch ao espetáculo em opção artística de gosto duvidoso.

O talento do elenco dispensa tais artefatos. Se Kiara Sasso brilha no primeiro ato (sendo dispensáveis as episódicas aparições da atriz no segundo ato) com a experiência de quem já protagonizou grandes musicais, Soraya Ravenle já se põe em pé de igualdade quando entra em cena, em momento memorável ao fim do primeiro ato, para interpretar Mensagem (Cícero Nunes e Aldo Cabral, 1946), o maior sucesso da discografia de Isaurinha.


Soraya Ravenle e Iano Salomão vivem Isaura Garcia e Walter Wanderley (Foto: Divulgação / Felipe Panfili)

Intérprete expressiva, Ravenle dá conta como atriz das cenas fortes do embate conjugal da Personalíssima com Walter Wanderley e, como cantora, valoriza números como o samba Pano legal (Billy Blanco, 1956) e O que é que eu faço (Dolores Duran e José Ribamar, 1961). Samba-canção que Soraya já cantava em musical sobre Dolores Duran (1930 – 1959), encenado em 1999, O que é eu que faço foi lançado na voz de Isaura Garcia em 1961, dois anos após a morte de Dolores, que deixou escrito os versos musicados postumamente pelo pianista e compositor José Ribamar (1919 – 1987).

Enfim, pela força da história personalíssima de Isaura Garcia e pelo talento do elenco (com menções honrosas para as três atrizes protagonistas), o musical ora em cartaz no Rio pode prescindir de todo o artefato kitsch para brilhar somente com o que é essencial ao bom teatro. (Cotação: * * * 1/2)




Fonte:G1



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