Postado em sábado, 9 de outubro de 2021 às 13:37

Por que as pessoas estão trocando os drinques por mocktails, as bebidas sem álcool

Você ainda vai provar um mocktail, bebida feita com alta coquetelaria, mas sem nada de álcool


 Depois de extubado, ao ter alta da UTI onde se recuperava da Covid-19, Eduardo Banke, 61 anos, não titubeou: pediu uma cerveja bem gelada. A equipe do hospital de Blumenau (SC) foi ao mercado comprar uma garrafa. Era sem álcool, mas... passou no teste. “Esta é muito gostosa”, disse ele em alemão. Legiões de Eduardos pelo país inteiro estão começando a sacar que as chamadas cervejas “non-alc” são bem melhores do que supõem os preconceituosos. Tão saborosas quanto as com álcool — ou mais —, são a ponta de lança do nascente boom das bebidas sem álcool no país.

“Se no Brasil a cerveja sem álcool está na faculdade, os vinhos e destilados sem álcool nem saíram da creche”, compara Arturo Isola, CEO do gim Amázzoni. Ele chegou a criar uma bebida virgem, como as não alcoólicas são conhecidas, mas foi dissuadido de lançá-la. Diz que o brasileiro, diferentemente dos europeus e americanos, não está pronto para um gim-tônica sem gim. “Dá para imaginar um cara convidando o amigo pra sair e tomar umas, mas sem nada de álcool?”

Difícil de imaginar? Pois é algo que já acontece lá fora. Em cidades como Nova York e Londres, não param de surgir os sober bars, que têm tudo o que se espera deles, do chacoalhar das coqueteleiras a desconhecidos se encontrando embalados pelo som alto, de bartenders mixando drinques aos montes às garrafas alinhadas atrás do balcão. Só falta o álcool. O Sans, de Houston, no Texas, chegou a fazer até uma turnê de pop-ups por diversas cidades americanas, interrompida pela pandemia, mas segue organizando noitadas de coquetelaria sóbria online. O 0%, inaugurado em julho passado em Tóquio, tem 20 mocktails (o termo para coquetéis sem álcool) na carta, lindamente apresentados e sofisticados — mixologia de alto nível.

A onda é recente e o grande impulso veio do lançamento, em 2017, do Seedlip, que tem cara e jeito de gim, mas não é. Ben (assim mesmo, sem sobrenome), o hipster inglês que inventou a bebida, diz amar a natureza e que está numa “missão para mudar a maneira de beber no mundo e resolver o dilema do que beber quando não se está bebendo”. As lindas garrafas, que remetem às de velhos boticários, não contêm nada além de água aromatizada com ervas (Gerden 108) ou especiarias (Spice 94).

O site e o material promocional sugerem servir Seedlip em gim-tônicas (imitações, no caso) ou em nogronis, ou negronis virgens. O sucesso foi tanto que a Diageo, maior multinacional de bebidas do mundo, comprou a startup (ainda sem data para ser lançada no Brasil), desengatilhando uma corrida ao ouro. A concorrente Pernod Ricard desenvolveu versões light (27% de álcool) e sem álcool do gim Beefeater. Ainda há outras 42 marcas de "destilados" sem álcool na Inglaterra e outras 29 nos Estados Unidos — cerca de um terço delas lançado só no ano passado. Tem para todos os gostos, desde imitações de rum envelhecido a bebidas “tipo tequila”. A consultoria inglesa IWSR divulgou em fevereiro amplo estudo de mercado que aponta que o crescimento desse setor específico — que foi de 4,5% entre 2019 e 2020 — só vai acelerar. Até porque 58% dos entrevistados disseram consumir bebidas com e sem álcool na mesma ocasião.

O medo de perder o bonde também forçou a maioria das empresas de cerveja — inclusive as nacionais — a lançar versões sem álcool, impulsionadas, no Brasil, pela chegada com força da 0,0%, da Heineken. Tiago De Benedicto e Maílson de Moraes, abstêmios por motivos religiosos (são adventistas) inauguraram em janeiro de 2020 em Taubaté (SP) o Mundo Sem Álcool, um dos primeiros e-commerces especializados nesse nicho. Eles contam que só nos últimos meses foram lançadas pelo menos cinco marcas “non-alc”: Campinas IPA Zero, Blondine Session IPA, Roleta Russa Easy IPA, IPA da Cervejaria Campinas e Estrella Galicia Black. “Estamos vendo uma tendência de moderação, que tem se alastrado pelos maiores mercados globais, inclusive o Brasil, e isso traz maior demanda por bebidas com pouco ou zero álcool”, diz Mark Meek, CEO da IWSR.

Que o diga o duo do interior paulista. Apesar de abrirem o negócio dois meses antes de começar o confinamento, eles veem um crescimento das vendas desde então. Surpreendentemente, o best-seller é um tinto produzido pela La Dorni, única vinícola nacional especializada em sem álcool. “As cervejas saem muito bem, especialmente as artesanais, como a Dádiva e a Session Free 0,0%, da Wäls”, diz Moraes. O público? Muita gente que busca um modo de vida mais saudável.

“Parei de beber há mais de um ano porque tenho filhos pequenos e não queria mais ter ressaca”, conta o publicitário Felipe Iacocca. “Gosto de comer bem, e cervejas caem muito melhor com comida do que sucos ou refrigerantes. Com sushi, harmonizam até melhor do que saquê. A maioria das sem álcool entrega o mesmo grau de prazer, aquele amargor refrescante, remete à memória afetiva dos bons momentos com amigos e ainda me livra daquela chateação de ficarem me perguntando por que não bebo mais”, conta o publicitário.

Outra grande força que impulsiona essa nova tendência é de fato a sociabilidade. Facundo Guerra, empresário da noite paulistana, nunca gostou de álcool e sempre achou constrangedor ser o único da turma que não bebe. “Coquetéis sem álcool são um ótimo disfarce. Permitem que eu me sinta à vontade em um bar, sem ninguém perguntando se estou de dieta ou tomando algum remédio”, diz. Por isso, em seu Bar dos Arcos, em São Paulo, ele sempre tem mocktails na carta, como o recém-lançado Sertão Vai Virar Mar, que leva cajuína, xarope de coco tostado e limão-cravo. “A pessoa recebe tudo o que um drinque deve entregar, como corpo, complexidade e a experiência da mixologia. Menos o álcool, que no meu caso não vai bem.” Os sober bars estão bombando porque tem muita gente abstêmia, como Guerra, que não tinha vontade de sair, socializar, flertar, dançar e beber sem se sentir um peixe fora d’água. Agora já dá para conciliar wellness e balada, mixologia e sobriedade, cervejinha e home office.

FONTE: GQ



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