Postado em quarta-feira, 24 de julho de 2019 às 23:27

Por que Nicolás Maduro sobrevive?

Como pode a Revolução Bolivariana sobreviver a um cerco poderoso, a uma crise econômica medonha e aos seus próprios erros? Por que tanto se equivocaram inimigos e até amigos do chavismo?


Por Breno Altman

Uma penca de analistas está às voltas com a corrosão de seus prognósticos sobre a situação venezuelana. Quando o líder da oposição, Juan Guaidó, se autoproclamou presidente interino, em 23 de janeiro, fartas foram as apostas de que o governo Nicolás Maduro estava por um fio.

Seis meses depois, quem exala o odor de um cadáver político é o encarregado de sucessivas e fracassadas intentonas.

O cálculo da direita venezuelana era que o estabelecimento de um cenário marcado pela dualidade de poder, sob forte tensão internacional e medidas de asfixia econômica, provocaria a divisão das Forças Armadas e a derrocada fulminante do chavismo.

Os seguidos infortúnios, porém, desmoralizaram e cindiram as forças oposicionistas, obrigando-as a se sentar à mesa de diálogo iniciada pela Noruega e transferida para Barbados. Aliados internacionais se afastam, isolando o belicismo da Casa Branca. Míngua sua capacidade de mobilização interna, hoje restrita a círculos limitados. Aliados internacionais se afastam, enfraquecendo a opção intervencionista manejada pela Casa Branca.

Mas, afinal, como pode a revolução bolivariana sobreviver a um cerco poderoso, a uma crise econômica medonha e aos seus próprios erros? Por que tanto se equivocaram inimigos e até amigos do chavismo?

Apesar da confrontação extrema e da ameaça de agressão externa, a ação repressiva tem sido relativamente de baixa intensidade, embora o próprio governo reconheça atropelos a direitos humanos. O autoproclamado presidente interino, por exemplo, continua nas ruas e nenhum partido foi posto fora da lei. Até mesmo presos envolvidos em atos de violência estão sendo libertados.

Atentos à história latino-americana, Hugo Chávez e seu sucessor sempre tiveram como paradigma que as classes dominantes jamais aceitaram ou aceitariam, sem recorrer à contrarrevolução, quaisquer reformas que afetassem seus privilégios, riqueza e poder.

Ao contrário de outras experiências, como a conduzida por Salvador Allende ou a liderada pelo PT, o chavismo se preparou para enfrentar a inevitável ruptura antidemocrática, secularmente patrocinada pela burguesia regional e seus tutores imperialistas quando se sentem sob risco.

Além de constante empenho para educar, organizar e mobilizar sua base social como fator de governabilidade, ao mesmo tempo atendendo históricas reivindicações populares, os chavistas conduziram uma ampla reforma do Estado, fortalecendo a democracia direta, reestruturando corporações civis e militares que pudessem ser utilizadas para a sabotagem da ordem constitucional.

Em vez de fortalecer a autonomia dessas instituições não-eletivas, como o Ministério Público, o Poder Judiciário e as Forças Armadas, trataram de refundá-las sob a hegemonia política e cultural do processo revolucionário, legitimada seguidamente pelo voto popular.

Muitas das medidas tomadas são polêmicas e desconfortáveis. Diante da ferocidade histórica dos donos do dinheiro grosso, no entanto, qualquer outro caminho provavelmente conduziria à derrocada ou à capitulação.

É claro que o futuro é incerto e a situação venezuelana, de evidente instabilidade. Mas, até agora, a coesão social, militar e institucional lograda pelo chavismo, mesmo pressionada, faz de Nicolás Maduro um osso duro de roer.

(*) Publicado na Folha de S.Paulo em 24 de julho de 2019

Fonte: Opera Mundi



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