Postado em sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018
às 10:25
Ecologistas da França exigem que o país entre na trilha da descarbonização
O Conselho de Paris, aliado a uma rede de ecologistas da França - Groupe Écolo de Paris (GEP) - que inclui políticos e ambientalistas eleitos, acaba de lançar um manifesto “Desejo uma Paris Descarbonizada”, que segue a linha e os moldes de Nova York
O Conselho de Paris, aliado a uma rede de ecologistas da França - Groupe Écolo de Paris (GEP) - que inclui políticos e ambientalistas eleitos, acaba de lançar um manifesto “Desejo uma Paris Descarbonizada”, que segue a linha e os moldes de Nova York. O prefeito da cidade norte-americana, De Blasio, anunciou em janeiro que não só está deixando de investir em combustíveis fósseis como também que entrou na Justiça contra as cinco principais petrolíferas – as multinacionais BP, Chevron, ConocoPhillips, Exxon Mobil e Royal Dutch Shell - sob o argumento de que elas provocam a tragédia climática que põe em risco a vida de muitos, e não movem uma palha para descontinuar o processo.
Pois os ambientalistas franceses querem a mesma coisa. O documento online que publicaram traz vários “considerandos”, e começa com a notícia de que os últimos dados de análise de temperatura global publicados em 18 de janeiro de 2017 pela Nasa e pela Columbia University, em Nova York, apontaram que 2017 foi o segundo ano mais quente desde o início das pesquisas termométricas (a série começa em 1880). E afirma sua solidariedade com a cidade de Nova York em sua política de alienação de combustíveis fósseis.
Um dos argumentos colocados pelos ecologistas é que os depósitos de energias fósseis, exploradas ou em processo de ser, representam pelo menos cinco vezes mais o nível de emissões do que seria necessário se a humanidade topasse, verdadeiramente, o que ficou combinado no Acordo de Paris conseguido em 2015 durante a COP21. Ali ficou acertado que o planeta precisa ficar abaixo dos 2 graus até o fim do século.
A iniciativa dos franceses considera também o fato de que cerca de 80 economistasde 20 países, em dezembro de 2017, se reuniram e assinaram um pedido ainda mais ousado. Eles querem o fim imediato de todos os investimentos em novos projetos de produção e infraestrutura de combustíveis fósseis e uma expansão significativa do financiamento de energias renováveis. A declaração foi assinada, entre outros, pelo norte-americano Jeffrey Sachs, que esteve aqui no Brasil há quatro anos para lançar a Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável, pelo ex-ministro e economista grego Yanis Varoufakis, por Ramón E. López, professor da Universidade do Chile, e por Charles Palmer, da London School of Economics.
Na nota, economistas puseram o dedo numa ferida que vem sendo omitida em declarações importantes sobre o fim dos combustíveis fósseis: e o carvão? O presidente francês (Emmanuel Macron) e outros dirigentes indicaram a necessidade de um maior apoio financeiro para as soluções climáticas, mas não disseram nada sobre a outra parte da equação: os financiamentos continuam sendo acordados para novos projetos de produção e de infraestrutura para carvão, gás e petróleo, dizem eles na nota.
A partir da declaração dos economistas, diversas organizações ligadas à causa ambiental, entre elas a ONG 350.org, formada durante a COP-15, que aconteceu em Copenhague em 2009, convocaram uma manifestação nos mesmos moldes, sob o lema “Nenhum euro a mais para as energias do passado”.
O pleito dos ecologistas franceses também não menciona o carvão. Mas o presidente Emmanuel Macron, em seu discurso no Fórum Econômico de Davos prometeu que seu país vai interromper todas as fontes de energia conseguidas pela queima de carvão até o ano de 2021. Segundo ele, as plantas de carvão da nação europeia serão substituídas por fontes renováveis ou reatores nucleares.
A questão é bem delicada. Não estamos, nem de longe, numa época confortável, em que o peso das decisões tomadas para evitar o aquecimento global pende apenas para um lado da balança. Tudo exige reflexões, talvez mesmo estudos caso a caso.
No caso da França, por exemplo, é provável que muitos trabalhadores de usinas de carvão estejam, a esta altura, preocupados com a declaração de Macron. Perder emprego, numa época de crise mundial (aquela mesma, que começou em 2008...) não é nada animador. Enquanto isso, ambientalistas contrários à adoção da energia nuclear talvez também estejam se preparando para gritar contra. A França ainda produz grande parte de sua energia através das usinas nucleares. E é só lembrar dos 30 mil mortos e dos três milhões de pessoas atingidas no acidente de Chernobyl (que aconteceu em abril de 1986), para perceber que não é uma opção que mereça aplausos.
Por outro lado – na verdade, eu devia dizer “por outros lados” – a poluição no mundo, um dos graves efeitos do uso abusivo dos combustíveis fósseis, também faz vítimas, e não são poucas. A revista médica “The Lancet” publicou no ano passado um relatório dando conta de que 9 milhões de pessoas morreram, só no ano de 2015, por causa da poluição ambiental. Segundo os pesquisadores que fizeram o estudo, a sujeira no ar, na água e no solo causa prejuízos ao bem-estar da população, na forma de doenças e mortes prematuras, da ordem de U$ 4,9 trilhões anuais (cerca de R$ 15,6 trilhões), ou 6,2% de toda produção econômica do planeta.
Junte-se a isso os eventos extremos provocados pelo aquecimento global, tambémcausadores de mortes e destruições, e vamos conseguir a certeza de que o modo como vamos obter energia é o grande X da questão da humanidade de hoje e do futuro. Gro Brundtland, a ex-ministra da Noruega que ancorou uma reunião de mil dias com líderes e empresários para fazer o texto “Nosso Futuro Comum”,um dos pioneiros a avaliar questões socioambientais na hora de pensar a economia do mundo, nunca deixou de mencionar o grande desafio energético.
É tempo de mudar, diz o documentário “Zugzwang”, dirigido por Duto Sperry em 2005. A humanidade sempre buscou energia para fazer trabalhos, ou mesmo para tornar possível uma civilização. Mas passou a ser real pensar uma mudança de matriz energética, e este é o momento que estamos vivendo. Vale a pena assistir ao filme e refletir a respeito.
Fonte: G1