Postado em sexta-feira, 11 de junho de 2010

Novo “Fúria de Titãs” aposta em tecnologia e menos atuação

Refilmagem de clássico dos anos 80 volta mais violento e sombrio.


Erick Vizoki
Especial para o Alfenas Hoje

Quem tem por volta de 30 anos de idade, provavelmente assistiu, seja no cinema ou na velha Sessão da Tarde, “Fúria de Titãs” (1981) e, provavelmente, nunca esqueceu.

O remake do épico mitológico grego estreia nesta sexta-feira 11, na Sala 1 do Cine Art Café (Confira a programação do Cinema). A história de “Fúria de Titãs” (Clash Of Titans, EUA/Reino Unido, 2010) segue a mesma linha de seu antecessor: Perseu (Sam Worthington), filho do deus Zeus (Liam Neeson), é criado entre os mortais e tem sua família consumida por Hades (Ralph Fiennes), o deus do inferno. Assim, Perseu inicia sua batalha contra os deuses, se unindo a Io (Gemma Arterton), sua guia espiritual, ao guerreiro Draco (Mads Mikkelsen) e ao rei-fera Acrisius (Jason Flemyng), na tentativa de salvar sua amada Andrômeda (Alexa Davalos), que deverá ser sacrificada para que os deuses do Olimpo não enviem o terrível monstro Kraken para destruir a cidade de Argos.

Dirigido por Louis Leterrier (“O Incrível Hulk”), a produção da Legendary Pictures para a Warner Bros. tenta o que todo remake tenta: superar o original, com promessas de mais ação, mais efeitos especiais e de adequar a obra aos dias atuais.

No quesito ação, efeitos especiais e belas cenografias, o público está bem servido. Como no original dirigido por Desmond Davis, este também deverá levar centenas de pessoas aos três horários de exibição do filme. Para garantir uma adaptação mais ao gosto da geração “Mortal Kombat” e “Senhor dos Anéis”, o roteirista escolhido foi o novato Travis Beacham, que está entre os que prometeram um tom mais sombrio à reedição do clássico de 1981.

Fotos: Divulgação

Filme está em cartaz no Cine Art Café

Mas o filme, por falar em deuses, comete seus pecados. O maior deles é trocar talento e dedicação cinematográfica pela avalanche, cada vez mais comum, de efeitos visuais impressionantes, muito movimento, bastante gosma e os indispensáveis clichês do tipo “não encarem a vadia!”, na sequência onde os heróis enfrentam a mitológica Medusa. E há outro agravante, ainda maior, mas aí a culpa pode ser da megaprodução “Avatar”, que foi concebido para ser exibido em 3D, mas que se deu bem também na versão 2D: Leterrier fez o caminho inverso, produzindo o filme em 2D e depois, devido ao enorme sucesso do filme de James Cameron, o converteu para 3D, e nesse tipo de exibição deixou o público um tanto frustrado. Por isso, é aconselhável a versão tradicional, em 2D, principalmente para quem se deslumbrou com o blockbuster dos alienígenas azuis e outros como “Viagem ao Centro da Terra”.

Na atuação, à frente do grupo dos bonzinhos, está Sam Worthington que, por acaso, também foi o protagonista em “Avatar” e, neste último, sua transformação em alien o poupou um pouco do vexame da má interpretação. Os únicos dois nomes que teriam chances de salvar o filme da negligência total, em termos de boa atuação, seriam Liam Neeson (“A Lista de Schindler”) e Ralph Fiennes (“Harry Potter e o Enigma do Príncipe”), atores experientes que não foram bem aproveitados pelo diretor Leterrier. A tecnologia digital ganhou a queda de braço na briga com a competência dramática e uma história bem contada.

Tempos que não voltarão mais

Chegamos às inevitáveis comparações entre remake e original. Se na nova produção falta atuação e sensibilidade, no velho “Fúria de Titãs” (Clash Of The Titans, EUA, 1981) elas transbordavam. Para começar, apenas um nome era suficiente para conjugar gerações diferentes de cinéfilos nas salas escuras: Lawrence Olivier, no papel de Zeus, claro. O ator, especializado em papéis shakespearianos, garantia a ida dos adultos apreciadores de bons filmes ao cinema, e o argumento e efeitos especiais traziam a garotada. Além dele, pelo menos mais dois nomes competentes destacavam-se no cartaz do filme e na tela: Ursula Andress (“007 Contra o Satânico Dr. No”), interpretando Aphrodite, e Maggie Smith (atualmente a professora Minerva, da série Harry otter), como Thetis. A trama também envolvia todos os personagens, em um núcleo Zeus-Perseu-Hades. Na nova investida, os deuses são quase coadjuvantes.

Mas o grande nome, de fato, no filme original, não aparecia na tela. Ele não, mas a sua participação era o verdadeiro espetáculo. Trata-se de um lendário profissional de cinema, o animador especializado na técnica stop motion, Ray Harryhausen. A animação stop motion consiste em dar vida a objetos inanimados filmando-os quadro a quadro: para cada segundo de filmagem são necessários 24 fotogramas em sequência para causar a ilusão de movimento. E Ray Harryhausen reinou absoluto em sua época nessa técnica.

Entre os grandes filmes que animou estão clássicos como “Jasão e o Velo de Ouro” (Jason and the Argonauts, 1963), “A Viagem de Ouro de Simbad” (The Golden Voyage of Simbad, 1973), e “Simbad e o Olho do Tigre” (Simbad and the Eye of the Tiger, 1977), todos com animações fantásticas para uma época em que a animação computadorizada ainda nem sonhava em existir. Mas Harryhausen também colocou seu talento a serviço da mediocridade, como em “Mil Séculos Antes de Cristo” (One Million Years B. C., 1966).

Este filme, apesar de bem feito e com a grife Harryhausen, mostrava duas tribos de homens pré-históricos que lutavam entre si e pela sobrevivência em um mundo hostil: uma de homens e mulheres morenos, sujos e violentos e outra de pessoas loiras, limpinhas e boazinhas. Dada a época, só faltou uma bandeirinha para a tribo loira com os dizeres “Nós somos os ancestrais dos americanos”, e na dos morenos, “Subdesenvolvidos”. Além disso, a história colocava homens e dinossauros convivendo na mesma época, numa espantosa barbeiragem arqueológica.

“Fúria de Titãs” foi o último trabalho do animador para o cinema. As belas sequências de vôo do cavalo alado Pégaso, a simpática corujinha mecânica Bubo (outro item para atrair a petizada aos cinemas), a sombria Medusa e o monstro Kraken ficaram na memória de crianças e adultos, que se deslumbraram na ocasião, apesar do mesmo roteiro chinfrim e de George Lucas já ter boquiaberto o mundo com sua “Guerra nas Estrelas”. Seu trabalho ainda é reverenciado por diretores como Steven Spielberg, George Lucas, Tim Burton e James Cameron, entre outros.

O que faltou nesta “Fúria” de 2010 foi justamente a sensibilidade e a dedicação que existia em um tempo em que fazer cinema também envolvia paixão e talento, mesmo que fosse para puro entretenimento.



>>Assista ao traile de “Fúria de Titãs”
>>Assista ao trailer de “Fúria de Titãs” (1981)



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