Postado em quinta-feira, 9 de julho de 2020
Mais da metade dos tratamentos de câncer em curso sofreu alterações na pandemia, diz pesquisa
Redução no número de cirurgias foi de 70%; medicação em falta atrasou ou cancelou exames e operações oncológicas
Mais da metade (53%) dos tratamentos de câncer em curso no país sofreu alterações durante a pandemia, mesmo com especialistas alertando que a doença é considerada emergencial e as medidas terapêuticas não devem ser interrompidas ou alteradas. A pesquisa é parte do movimento "O câncer não espera. Cuide-se já", que reúne diversas entidades e sociedades médicas, e ouviu profissionais que trabalham no SUS e em instituições privadas, de 8 de abril até 26 de junho.
No sistema público, a situação é ainda mais grave, indicam os profissionais ouvidos pela pesquisa: 68% dos pacientes tiveram tratamentos alterados. No privado, o número foi de 38%. Entre as alterações ocorridas no SUS - seja cancelamento, seja remarcação -, estão exames (72%), consultas (60%) e até sessões de quimioterapia (15%) e radioterapia (18%).
Houve também redução de 70% no número de cirurgias oncológicas realizadas na pandemia, estima a Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO). Segundo Clóvis Klock, da Sociedade Brasileira de Patologia (SBP), o resultado das pesquisas pode ser explicado, em parte, pela alta demanda por medicamentos sedativos e anestésicos para tratamento da Covid, o que diminuiu a disponibilidade deles para outros procedimentos, muitos essenciais para o diagnóstico e o tratamento do câncer, como colonoscopia e biópsias, que precisaram ser cancelados ou remarcados.
Além disso, muitas pessoas, com medo de serem contaminadas, deixaram de fazer exames, consultas e procedimentos para diagnosticar ou tratar a doença, aponta o especialista:
— Também contribuiu para esses resultados o fato de que leitos que seriam usados para cirurgias oncológicas estão sendo ocupados por pacientes da Covid-19. Outra explicação é de que, alguns locais que fazem exames de imagem importantes para tratar e diagnosticar tumores, fecharam ou passaram a atender os atingidos pelo coronavírus como prioridade. São vários fatores que levam a esse cenário atual, que será de difícil recuperação. Quem está com câncer não vai deixar de ter a doença e vamos enfrentar pessoas, mais a frente, em situações piores do que estariam se tivessem mantido o tratamento ou sido diagnosticadas precocemente, com um sistema de saúde, que já é historicamente insuficiente, muito combalido, e ainda com a possibilidade dessa falta de medicamentos se manter, já que a procura por eles é global e os insumos são importados.
Segundo o médico Alexandre Ferreira Oliveira, da SBCO, com a alta demanda mundial pelas drogas, os preços subiram, o que também inviabilizou a compra para muitas entidades, hospitais e mesmo na rede pública. Ele disponibilizou uma tabela com os valores que são repassados ao SUS: nela consta que, antes da pandemia, pagava-se R$ 3,31 no Midazolam 50mg. Agora o custo é de R$ 23,94. O Suxametonio de 100mg, que antes custava R$ 8,92, subiu para R$ 28,94. E vários medicamentos, como a Atropina, não estão sendo encontrados.
Um levantamento do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) já havia apontado, em junho, estoques em queda em 22 unidades da Federação de ao menos um medicamento sedativo.
Protocolo defasado
Segundo Bruno Ferrari, presidente do Conselho de Administração do Grupo Oncoclínicas, que também faz parte do movimento, a pandemia acentua e mostra as desigualdades no acesso à saúde no Brasil: ele afirma que o protocolo de tratamento do sistema público está defasado, o que também pode ter influenciado os números:
— Há hoje drogas orais para o tratamento de alguns tumores, como o de mama, que ainda não estão no sistema público, mas já no privado. Ele poderia ser uma solução para milhares de pessoas que não precisariam se expor nos hospitais nem interromper o tratamento, por exemplo.
Ele reforça que, apesar de alguns pacientes oncológicos estarem no grupo de risco para desenvolver a versão mais grave da Covid, o tratamento, como a quimioterapia, e os exames não devem ser interrompidos na maior parte dos casos:
— A pandemia é grave e não podemos subestimá-la. A questão dos leitos do SUS não é um problema de agora e é natural que estejam sendo usados para os casos de Covid-19. Mas precisamos lembrar que o câncer não espera e, em alguns casos, uma diferença de um ou dois meses pode fazer toda a diferença não só nas chances de cura, mas também em tratamentos mais amenos, que não atrapalhem tanto a qualidade de vida das pessoas. É necessário um esforço das entidades públicas muito maior do que está sendo feito até agora para melhorar as condições de acesso com segurança aos hospitais e clínicas, melhorando os protocolos de limpeza, higienização e distanciamento social.
Segundo o Ministério da Saúde, "a organização e o controle da Rede de Atenção às Pessoas com Câncer são de responsabilidade das Secretarias de Saúde, sendo atribuição dos gestores estaduais, distrital e municipais a definição de competências de cada unidade integrante de sua rede", conforme dispõe a portaria nº 1.399.
A campanha "O câncer não espera" é uma iniciativa do Instituto Oncoclínicas com a Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT), a Sociedade Brasileira de Patologia (SBP), a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), a Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica (SBCT), a Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale), a Associação para Crianças e Adolescentes com Câncer (Tucca), oInstituto Oncoguia e o Movimento Todos Juntos Contra o Câncer (TJCC).
FONTE: O GLOBO
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