Postado em segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

De onde vem o que eu uso: borracha tem origem em árvore nativa da Amazônia, mas maior produção fica em SP

Estado alcançou liderança nos anos 90 pelo clima seco do Noroeste Paulista, ideal para evitar propagação da principal doença da seringueira: o mal-das-folhas. Indústria de pneus consome 80% da matéria-prima no Brasil.


 Apesar de ser feita a partir de uma árvore nativa da Amazônia, chamada de seringueira, a borracha natural tem, desde os anos 90, o seu maior polo de produção no estado de São Paulo, que detém 67% das 200 mil toneladas fabricadas por ano, no país.

O que colocou o estado na liderança foi o clima seco do Noroeste Paulista, condição ideal para evitar a propagação da principal doença da seringueira: o mal-das-folhas, causada pelo fungo Microcyclus, que ataca as plantas mais novas da árvore (saiba mais abaixo).

Na região, o modelo de produção é de seringais plantados, diferente do que ocorre em regiões amazônicas, onde predomina o extrativismo, ou seja, a coleta do látex em seringais nativos.

No mundo, a liderança na produção fica no Sudeste Asiático. É da Tailândia, Indonésia e Vietnã que sai cerca de um terço das 14 milhões de toneladas de borracha consumidas no mundo.

E o Brasil, que até o século 19 foi o principal fornecedor mundial, detém hoje apenas 1,5% deste mercado, segundo dados da Associação Paulista de Produtores e Beneficiadores de Borracha (Apabor).

O sucesso asiático tem sua origem nos idos de 1876, quando sementes de seringueiras foram contrabandeadas do Vale do Tapajós para a Inglaterra pelo botânico Henry Wickman. Do país europeu, foram levadas para colônias britânicas, principalmente para a Malásia, que hoje é o 7º maior produtor do mundo.

Borracha e seus usos

A borracha natural vem do látex, um líquido espesso e branco, que fica dentro de um tipo de célula que somente as seringueiras possuem no mundo vegetal: a célula laticífera, explica Ailton Pereira, pesquisador da Embrapa Cerrados.

A substância é obtida por meio de cortes feitos no tronco da seringueira, cujo nome científico é Hevea brasiliensis.

Com o látex, são feitos inúmeros produtos do nosso dia a dia: utensílios de cozinha, calçados, borrachas escolares, luvas cirúrgicas, preservativos, etc.

Apesar das várias possibilidades de uso, a indústria pneumática é a maior consumidora dessa matéria-prima. No Brasil, 80% da borracha obtida nos seringais segue para a produção de pneus.

Plantio frustrado na Fordlândia
A história de como São Paulo se transformou no principal produtor de borracha teve sua origem em tentativas frustradas de plantar seringueiras em regiões amazônicas, conta Diogo Esperante, presidente da Associação Paulista de Produtores e Beneficiadores de Borracha (Apabor).

Com o intuito de dominar a cadeia de pneus, Henry Ford, fundador da empresa automotiva Ford, instalou em 1928 um complexo de produção de borracha no município de Aveiro, no Pará, que ficou conhecido como Fordlândia.

Na local, assim como em qualquer região amazônica, o látex era obtido somente por meio da coleta em seringais nativos, no modelo extrativista. Porém, com a Fordlândia, o intuito era implementar o cultivo a partir do plantio dos seringais, o que deu muito errado.

Ao se instalar, a Ford semeou cerca de 4 mil hectares de seringueira, segundo a Apabor. "Mas, no terceiro ano de produção, as plantas começaram a morrer, atacadas pelo fungo Microcyclus", conta Everton Rabelo Cordeiro, chefe da Embrapa Amazônia Ocidental.

Por ser úmida e quente, a região amazônica é um "prato cheio" para a propagação do fungo, que ataca, na verdade, as folhas mais novas das seringueiras. Porém, o que desencadeou mesmo a doença foi a forma de plantar em monocultura, onde uma árvore fica muito perto da outra.
"Quando você entra na floresta amazônica, você vê que existem quatro seringueiras por hectare, no máximo. E, na época da Fordlândia, chegaram a plantar até 500 árvores por hectare, uma do lado da outra e, aí, o fungo se propaga muito facilmente de uma árvore para outra", diz Cordeiro.

"É como a pandemia [do coronavírus] que estamos vivendo. Se está todo mundo isolado em casa, transmite menos. Se vai todo mundo todo mundo para o jogo de futebol, vai pegar", ilustra Esperante, presidente da Apabor.

São Paulo se torna maior produtor
O episódio frustrado da Fordlândia estimulou pesquisas por todo o país e, em São Paulo, o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e o governo do estado focaram, partir da década de 1950, em procurar regiões onde o clima pudesse ser um escape para o mal-das-folhas, no modelo de plantio em monocultura.

A condição ideal foi encontrada em municípios no Noroeste Paulista, como em São José do Rio Preto, onde foram plantados os primeiros seringais em 1962, conta Esperante.

A região do Noroeste Paulista é considerada uma área de escape do mal-das-folhas por ter um clima seco durante o inverno, nos meses de julho e agosto, período onde as seringueiras trocam a folhagem e, portanto, ficam mais suscetíveis à entrada do Microcyclus.
O clima, associado a pesquisas, técnicas de manejo e introdução de clones mais produtivos de seringueiras, fizeram com que, em 1992, São Paulo se tornasse o maior produtor de borracha, superando a Bahia, que, na época, também tinha seringais plantados.

"1992 foi também o ano em que o Brasil produziu, pela primeira vez, mais borracha de seringais plantados do que de seringais nativos", diz Esperante.

Nova fronteira em Goiás
Atualmente, uma nova fronteira da borracha se abre em Goiás. Apesar de São Paulo ser o maior produtor em volume, o estado do Centro-Oeste tem hoje a maior produtividade por área.

Goiás consegue obter 1,7 mil quilos de borracha por hectare, enquanto São Paulo, 1,6 mil quilos, segundo dados da Apabor.
"As pesquisas de plantio de seringais em Goiás começaram no final da década de 1980 e o cultivo na região deu muito certo. [...] Temos constatado que as condições de clima e solo são muito favoráveis para a seringueira. Tem um período de seca bem definido, que vai de maio a setembro, ideal para o escape do mal-das-folhas", afirma Ailton Pereira, pesquisador da Embrapa Cerrados.

"Além disso, em Goiás não tem geada, o que castigou muito os seringais de São Paulo, Paraná, no ano passado", acrescenta. Outros fatores como clones mais produtivos e alto nível de tecnificação e gestão são responsáveis pelo sucesso atual de Goiás.

Modelo de produção na Amazônia

Atualmente, os estados brasileiros que abrigam a floresta amazônica têm uma participação muito pequena na produção nacional de borracha, que não chega a 1%.

O estado do Pará, por exemplo, produz 1,4 mil toneladas, enquanto o Acre (345 toneladas) e Amazonas (27 toneladas) menos de 400 toneladas, segundo dados da Apabor.

A produção nesses locais continua sendo à base do extrativismo, com poucos plantios apenas no Acre, afirma Cordeiro, da Embrapa Amazônia Ocidental.

"Atualmente, nós não defendemos que nenhuma área seja desmatada para plantar seringueiras. Pelo contrário, é possível enriquecer [por meio da enxertia] as áreas de seringueiras que já existem com materiais mais produtivos e resistentes [a doenças]", diz Cordeiro.

"Outra defesa nossa é que o cultivo das seringueiras seja feito junto com outras espécies para manter a diversidade ambiental e gerar renda para as pessoas que vivem da floresta. Isso já acontece em algumas regiões amazônicas e no Sul da Bahia", acrescenta o pesquisador.
Algumas das culturas que podem ser plantadas em consórcio com as seringueiras são o feijão, milho, maracujá, mandioca, banana e açaí. A Embrapa está avaliando ainda o cultivo de guaraná e cacau.

Essa diversidade é importante para que os seringueiros não dependam apenas da borracha, podendo obter renda com outros produtos.

FONTE: G1 Globo



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