Postado em quinta-feira, 24 de agosto de 2017 às 09:09

Exploração mineral na Amazônia pode levar a disputas judiciais

Especialistas dizem que empresas de quatro países têm interesse na região


A decisão anunciada na quarta-feira, por meio de decreto publicado no Diário Oficial da União, de extinguir a Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), criada em 1984, ainda durante a ditadura militar, provocou protestos de políticos, ambientalistas e especialistas no setor.

O decreto diz que uma região de cerca de 47 mil quilômetros quadrados entre o Pará e o Amapá está liberada para extração de ouro e outros minerais nobres. O Ministério de Minas e Energia afirma que áreas protegidas da floresta e reservas indígenas não serão afetadas.

A área fechada é maior que a Dinamarca e tem o tamanho equivalente ao do estado do Espírito Santo, ou oito vezes a dimensão do Distrito Federal.

Interesse de empresas de quatro países

Especialistas em mineração e legislação ambiental veem uma série de pontos que podem levar a disputas judiciais. Pedro Garcia, sócio da área de mineração do escritório Veirano Advogados, observa que a suspensão da reserva é parte do processo de revitalização do setor no país, iniciado em 2012. E complementa três medidas provisórias baixadas pelo governo há menos de um mês. De acordo com Garcia, nesses anos todos, muitas empresas apresentaram requerimentos ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) para pesquisar áreas na reserva, e as novas medidas baixadas pelo governo estabelecem que esses requerimentos ficam invalidados. Requerimentos anteriores a 1984, porém, continuam valendo.

— O que acontece é que algumas empresas que tiveram requerimentos invalidados agora podem contestar judicialmente esses cancelamentos — diz o advogado, acrescentando que todas as grandes mineradoras do mundo têm interesse na região, particularmente companhias de países como Estados Unidos, Canadá, Austrália e África do Sul.

O advogado ressalta que a empresa interessada terá de lidar com Ibama, Instituto Chico Mendes e autoridades estaduais como a Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará.

Tatiana Cymbalista, sócia da área ambiental do escritório Manesco Advogados, diz que, nas unidades de conservação integral, não é permitida qualquer forma de atividade econômica, inclusive mineração:

— Há também unidades de conservação sem proteção integral, florestas estaduais, menos protegidas, mas também reservas biológicas, mais protegidas. E cada uma dessas áreas está sujeita a um regime diferente. Mesmo em áreas que permitem atividade, a mineração pode ser vetada. Há zonas cinzentas entre as áreas de conservação no que se refere à mineração que terão de ser resolvidas.

Já o presidente do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Mineral (ABPM), Elmer Prata Salomão, diz que a extinção da reserva “veio em boa hora e é uma coisa positiva”. Segundo ele, a reserva foi criada de forma inconsistente durante a ditadura, numa área que deveria ser destinada à mineração. Salomão afirma, ainda, que as áreas protegidas não serão afetadas e argumenta que esta é “uma preocupação indevida”.

Risco de falta de fiscalização

Salomão apontou que tragédias como a de Mariana devem servir como alertas para evitar novos episódios, mas defendeu a continuidade das operações:

— Quando cai um avião, a primeira coisa que se deve fazer é buscar as razões. Ninguém pede para cassar a licença da Air France ou da TAM. Mariana é uma tragédia, claro, a gente fica preocupado. Mas temos que encontrar razões para o que aconteceu. E há razões divididas entre a empresa e o Estado, que não fiscalizou.

Para Cassandra Oliveira, analista ambiental do Instituto Chico Mendes — órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente —, o fim da reserva é uma ameaça e abre espaço especialmente para a exploração mineral em grande escala:

— A ameaça é que atividades de grande impacto sejam realizadas sem o devido acompanhamento nem a participação da população local. Existe muita fragilidade. A vida que é extinta na área de mineração também é extinta no seu entorno.

Apesar da informação inicial de que as unidades de conservação e as terras indígenas serão preservadas, ela vê com preocupação possíveis impactos, que se estendem desde o desmatamento até a degradação dos cursos d´água. Além disso, diz que ainda não há clareza sobre como seriam as concessões:

— O que se fala é que as áreas protegidas não teriam exploração, mas o que preocupa é que a área de maior potencial mineral está sobreposta a essas áreas protegidas.

A expectativa do governo é, agora, iniciar os leilões das áreas para as empresas interessadas em explorar a região. No entanto, o governo federal ainda não detalhou como será a entrada de mineradoras na área. No decreto, o governo destaca que a extinção da Renca “não afasta a aplicação de legislação específica sobre proteção da vegetação nativa, unidades de conservação da natureza, terras indígenas e áreas em faixa de fronteira”.

Apesar de ter cobre no nome, a reserva é rica sobretudo em ouro, mas também em tântalo, minério de ferro, níquel, manganês e outros minerais. Não há informações sobre o tamanho dos depósitos. Mas a avaliação do Ministério de Minas e Energia é que a área pode despertar a atenção de mineradoras de todo o planeta.

Críticas de políticos

Sem mineração, a área reúne florestas protegidas e terras indígenas. Por isso, a liberação da região para as mineradoras preocupa ambientalistas. A área engloba nove áreas protegidas: o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, as Florestas Estaduais do Paru e do Amapá, a Reserva Biológica de Maicuru, a Estação Ecológica do Jari, a Reserva Extrativista Rio Cajari, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru e as Terras Indígenas Waiãpi e Rio Paru d´Este.

— O decreto é o maior ataque à Amazônia dos últimos 50 anos. Nem a ditadura militar ousou tanto. Nem a Transamazônica foi tão ofensiva. Nunca imaginei que o governo tivesse tamanha ousadia — disse o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que apresentou projeto de decreto legislativo para sustar a autorização para explorar minérios na região e pretende entrar com ação popular contra a medida na Justiça Federal do Amapá.

Para o deputado Valdir Colatto (PMDB-SC), a medida pode garantir desenvolvimento para a região, desde que respeitados os limites legais relativos às áreas indígenas e ambientais:

— Acho que é preciso controle na produção e na exportação. É um escândalo o que acontece no Brasil, em que nossos minerais são enviados ao exterior sem qualquer controle.

O Ministério de Minas e Energia assegurou que a extinção da Renca não vai permitir a exploração em áreas protegidas. “O objetivo da medida é atrair novos investimentos, com geração de riquezas para o país e de emprego e renda para a sociedade, pautando-se sempre nos preceitos da sustentabilidade. Acredita-se que a medida poderá auxiliar no combate aos garimpos ilegais instalados na região”, disse a pasta.

Já o Ministério do Meio Ambiente afirmou, em nota, que o decreto de Temer não afeta as unidades de conservação existentes na região: “qualquer empreendimento que possa impactar as unidades de conservação é passível de procedimento de licenciamento específico, o que garante a manutenção dos atributos socioambientais das áreas protegidas”.

"CATÁSTROFE ANUNCIADA"

A extinção da Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca) por meio de decreto nesta quarta-feira foi classificada como “catástrofe anunciada” pelo coordenador de políticas públicas do WWF Brasil, Michel de Souza. Ele vê com preocupação a decisão do governo e diz que coloca em risco as nove áreas protegidas que estão dentro dos limites da reserva — como o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, que é o maior parque de florestas tropicais do mundo:

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— A Floresta Amazônica é nosso maior ativo. Nesse momento de desespero e de crise, estão colocando em risco as áreas protegidas que se encontram dentro da reserva — destaca Souza.

O coordenador da WWF Brasil reconhece a importância da atividade de mineração para a economia brasileira, mas diz é fundamental avaliar o risco envolvido:
— É um risco tremendo dar esse tipo de sinalização por decreto, sem discutir com a sociedade. Abrir a reserva sem transparência nos preocupa muito. É uma catástrofe anunciada. Temos vários exemplos de contaminação mineral. Pode haver uma corrida para a região. E como garantir que as grandes empresas de mineração vão seguir acordos de cooperação dos quais o Brasil não é signatário?
 


Leia mais: O Globo



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