Postado em quinta-feira, 13 de julho de 2017

Mães contam vida ao lado de filhos autistas em livro: uma maneira de ser diferente

"Singularidades, um olhar sobre o autismo", escrito por jornalista de Poços de Caldas, conta história de sete mães de autistas.


“O diagnóstico é como um murro no estômago”. Foi assim que a Karen Neves, aos 40 anos, definiu o que sentiu quando recebeu o diagnóstico de autismo da filha de 6 anos. A história dela e de outras seis mães de autistas foi escrita pela jornalista Gabriela Bandeira, de 22 anos, em um livro. O lançamento acontece nesta quinta-feira (13) em Poços de Caldas (MG).

Nascida na cidade sul-mineira, Nina Perri Petrovic foi diagnosticada autista com quase 2 anos de idade, após passar por vários médicos e nenhum dizer o que realmente acontecia com ela. “Eu sabia que a Nina tinha alguma coisa. Ela nunca me olhou nos olhos pra mamar e nunca fez nenhuma repetição como as crianças fazem. Ela também não interagia como as outras crianças no parquinho, mas mesmo assim, eu esperava outro diagnóstico”, conta Karen.

Os sintomas

Com um grau severo do Transtorno do Espectro Autista, Nina perdeu a fala com pouco mais de um ano. “Como a gente morava na Espanha, os pediatras diziam que o atraso no desenvolvimento era por causa da influência de outros idiomas. O pai dela é sérvio, a irmã é espanhola, a moça que trabalhava com a gente tinha um espanhol da Colômbia e eu sou brasileira. Segundo eles, essa mistura de sotaques atrapalhava, mas me disseram que ela tinha até 4 anos pra desenvolver a fala.”

E com um ano de idade ela falou, pronunciou entre 20 e 24 palavras, mas meses depois a única palavra que restou foi “não”. “Foi desesperador, foi como se de um dia pro outro ela não falasse mais e só eu percebia o que estava acontecendo. A cada viagem que a gente fazia, os sintomas como a fala, arrancar cabelos, a falta de sono e a agitação eram mais evidentes.” Alguns meses depois, veio a confirmação do autismo.

“Você perde o chão na hora. Sempre há uma expectativa com relação a um filho, você foi criada desde pequena de uma maneira, conviveu com crianças e então descobre que sua filha é autista. Não tem como saber como vai ser aquela criança, se ela vai falar, interagir, se vestir e isso é muito angustiante. Cada criança autista é de um jeito e todas as expectativas sobre o futuro, as amigas, os namorados, vão ter que ser deixadas de lado para poder viver um dia de cada vez, viver na alegria dos avanços e conquistas dela, aprender a não esperar nada das pessoas.”

Com a ajuda de uma equipe com sete especialistas, Karen, que atualmente mora em São Paulo (SP) com o marido e a filha, optou por um novo tratamento. Após tentar a psicanálise, a arquiteta se rendeu à terapia comportamental e a um método americano. “O novo tratamento trabalha a fala, a repetição e a ansiedade através do cérebro dela e do que ela mais gosta, no caso dela, o tablet, como forma de estímulo.”

Segundo Karen, a psicanálise auxiliou na formação da identidade da Nina, mas só agora ela está se desenvolvendo mais. “Faz dois meses que a minha filha é assim, independente. Com essa nova terapia, descobri o quanto ela é inteligente e tem condições de ir além, ao contrário de quando eu falava com ela e não tinha um retorno do que ela queria”, conta.

“Algumas vezes eu falo pra ela me dar a mão na hora do banho e ela me da o pé. É nossa hora que eu penso no futuro dela, porque o cognitivo não funciona como deveria, mas com este novo método, aprendi a estimular as áreas que não funcionam como deveriam, como a boca dela.”

O autismo

“O primeiro pensamento que vem na mente das pessoas quando falam sobre o autismo é que os portadores do espectro vivem em um universo particular”, afirma Gabriela.

Tanto para a jornalista, como para a mãe da Nina, falta um preparo por parte dos médicos brasileiros. “Alguns profissionais disseram que eu estava com depressão pós-parto e não conseguia aceitar minha filha, antes de descobrirem o autismo”, desabafa Karen.

O núcleo de autismo da Universidade de São Paulo (USP) calcula que o Brasil tenha dois milhões de autistas. Uma das principais queixas das mães é a falta de conhecimento sobre o transtorno. O autismo não é uma doença, e apesar de ter tratamento, não tem cura. Ele pode ser considerado uma síndrome que afeta vários aspectos da comunicação, além de influenciar também no comportamento do indivíduo.

“Há seis anos não se falava muito sobre o autismo como se fala hoje. As outras famílias estavam tão perdidas como eu e havia muita informação errada também. A Nina é a melhor coisa que eu tenho, quando estou mal, ela vem e mexe no meu semblante, e isso é o máximo e mostra que tudo vale a pena”, declara Karen.

A arquiteta ainda explica que cada autista tem um grau da síndrome e reage de uma maneira. A Nina, por exemplo, gosta de girar e sentir o mundo ao seu redor. “Ela é hipo e a parte hiper dela é no ouvido, todos os sentimentos dela se resolvem lá e é por isso que ela sempre coloca as mãozinhas nele.”

Por não ser fisicamente detectável, algumas vezes os autistas são tratados como mal-educados perante a sociedade. “Já ouvi de pais de outras crianças que minha filha não pode ficar sozinha em lugares públicos por ser autista, já tive dedo apontado na minha cara pelo modo como tenho que tratar ela em situações de crise.”

Para evitar este tipo de confusão, a babá da Nina começou a usar uma camiseta escrita “Sou babá de uma criança autista”. Tudo isso foi feito após pessoas que passavam pela rua pensarem que a menina estava sendo sequestrada quando ela se jogava no chão. “Uma senhora chamou o segurança do supermercado que eu frequento depois de ver a Nina ser controlada pela babá, para não jogar as coisas da prateleira no chão.”

Mesmo com estes sintomas, muitas vezes o autismo passa despercebido entre a população. “Quando eu conheci a Antonella [outra personagem do livro], eu pensei que ela não tinha nada e só fui reparar depois que o pai dela disse para observar a movimentação das mãos e pés, mesmo quando estava parada,” lembra Gabriela.

“O autista pra mim é uma maneira de ser diferente, mesmo que muitas vezes ele assuste um pouco”, conclui Karen.

"Singularidades, um olhar sobre o autismo"

O livro da Gabriela surgiu como um Trabalho de Conclusão de Curso da faculdade de jornalismo, mas tudo começou quando a mãe dela foi fazer uma experiência de duas semanas cuidando de uma criança autista, a Nina.

“Quando minha mãe começou a cuidar da Nina, ela pediu para eu ler e explicar tudo sobre o autismo pra ela, por causa da falta de tempo. Foi aí que comecei a me interessar pelo assunto e desmistificar muitas coisas que eram faladas, como todo autista ser muito bom em alguma coisa”, conta a jornalista.

Até então, o livro era só um trabalho de faculdade, mas o interesse das pessoas em querer conhecer mais sobre o assunto motivou Gabriela a continuar o projeto. Depois de procurar gráficas e editoras, a primeira opção foi criar um financiamento coletivo para ajudar na publicação e procurar algumas instituições, mas mesmo tendo arrecadado quase R$ 6 mil em menos de duas semanas, o financiamento foi tirado do ar.

“Eu estava desmotivada. Foi quando um amigo, que é dono de uma gráfica, fez um preço bem mais em conta e resolvi arriscar, lancei uma espécie de pré-venda e contei com o dinheiro que algumas pessoas tinham investido no financiamento também.”

O livro conta histórias de crianças e adultos autistas através do olhar de sete mães, o porto seguro destas pessoas. “Com o livro percebi que cada mãe se torna especialista no autismo do seu filho e que todos eles, por mais diferentes que sejam, se igualam na pureza. Além disso, todas as mães estão conectadas de alguma forma no livro.”

Conectadas no livro e no sentimento, o amor por cada uma destas crianças motivam as mães a superarem todos os desafios e julgamentos da sociedade. “Minha filha é uma desbravadora. Ela olha cada formiga e cada gota de chuva, com ela tem uma beleza que não tem nem tamanho. Tenho a sorte de observar e aprender cada dia com ela.”

Para Gabriela, o livro é só o começo de um projeto. “Vou terminar a gravação do meu documentário e a ideia agora é montar uma loja virtual com os produtos e o livro, para reverter os fundos para pesquisas em prol do autismo”, finaliza a jornalista e escritora.

Lançamento

O livro “Singularidades, um olhar sobre o autismo” será lançado nesta quinta-feira (13) a partir das 18h30, no Solve Campus, que fica na Rua Junqueira, número 150, em Poços de Caldas. A entrada é gratuita.

 

Fonte: G1 Sul de Minas



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