Postado em segunda-feira, 6 de março de 2017
às 14:13
Uso de redes sociais sem filtro pode provocar demissão por justa causa
Homem tentou reverter situação na Justiça em Campinas, mas juiz negou. Postagem sobre empresa pode ter alcance incontrolável, diz advogado.
Postar informações, opiniões e comentários sobre a empresa ou o empregador em redes sociais pode se transformar em uma "arma" contra o empregado, mesmo que tudo aconteça no perfil e grupos particulares. O alerta vale para as mensagens maldosas "sem filtro", ou seja, com conteúdo depreciativo, vexatório, já que não há como controlar o alcance que uma "simples" postagem pode ter. Em janeiro, um juiz de Campinas (SP) negou o pedido de um profissional que queria reverter a justa causa, após se expressar mal no Whatsapp.
A questão é polêmica. Para o juiz do trabalho Rafael Marques de Setta, da 6ª Vara do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 15ª Região, o funcionário que usa a rede de internet da empresa onde trabalha deve redobrar a atenção em relação ao conteúdo que publica em páginas pessoais. Isso vale tanto para emails corporativos quanto para redes sociais.
"A tendência da jurisprudência é que os emails corporativos podem ser analisados pela empresa, desde que o empregado tenha conhecimento prévio quanto a essa possibilidade. O email pessoal, a tendência é que, mesmo usando a rede da empresa, o email não pode ser acessado pelo empregador", explica o juiz
No entanto, publicar uma mensagem maldosa em um grupo fechado, mas deixar a página aberta no computador da empresa, mesmo que por engano, gera um risco de algum outro funcionário, ou o próprio empregador, acabar vendo a postagem.
"O que o empregador não pode é violar o acesso. Tudo é o meio que ele obteve essa informação. Se é um acesso irrestrito, se um amigo passou. Não vai ter restrição a isso. [...] Todas as redes sociais podem ter as mesmas consequências do WhatsApp. Se se expressar mal, pode sofre a mesma penalidade", afirma o magistrado.
Efeitos da demissão por justa causa
A demissão por justa causa é a penalidade mais grave que um empregador pode aplicar sobre um funcionário. Permite a rescisão do contrato sem ônus para a empresa. Ou seja, o colaborador demitido não tem direito a receber os valores referentes a aviso prévio, férias proporcionais, multa de 40% sobre o valor depositado no FGTS, e ainda não pode acessar o dinheiro acumulado no FGTS e perde o direito a receber o seguro-desemprego.
Sobre isso, Leonardo Bertanha, advogado e sócio da área Trabalhista da unidade Campinas (SP) da TozziniFreire Advogados, alerta que o funcionário só pode receber uma punição para cada irregularidade. Ou seja, a penalidade máxima não pode ser aplicada se o empregado já foi punido, com suspensão ou advertência, por exemplo, diante de um único fato.
"Sempre que você vai aplicar uma justa causa você pondera inúmeros fatores. Se aquela falta é proporcional, se está adequada ou não para efeito da rescisão. [...] Se teve ciência disso [o fato] há um bom tempo e não fez nada, não pode aplicar a justa causa. A pena tem que ser grave o suficiente, de forma imediata. Se já deu uma suspensão sobre um fato, depois não pode aplicar justa causa, pois só pode ter uma punição sobre um fato", explica o advogado.
Reversão de justa causa negada
Em janeiro deste ano, um profissional de Campinas, demitido por justa causa da empresa onde trabalhava, teve o recurso negado pelo juíz Rafael Setta. O trabalhador queria que a penalidade fosse revertida para que pudesse receber seus direitos. Mas, ele não teve sucesso.
O empregado em questão havia postado mensagens se manifestando contra o uniforme da empresa num grupo de WhatsApp composto por funcionários. Segundo o juiz, o profissional usou xingamentos em relação ao seu superior. Como no grupo havia membros do RH da companhia, as mensagens chegaram ao patrão.
"A gente tem uma falta específica que enseja a justa causa, que é ferir a honra do empregador. Na sentença, diz que ele confessou as palavras que ele disse. Não foi o problema da manifestação, a questão é o limite dessa manifestação. Se faz xingamentos, acho que acaba exagerando e ferindo a honra do superior", conta.
Nesta ação também foram considerados outras informações relativas ao funcionário, que pesavam contra o pedido dele na Justiça.
"Esse empregado tinha um histórico de advertências por outros problemas, de dormir no trabalho e faltas. No depoimento dele, em audiência, ele reconhece tudo o que ele disse, que foi transcrito para a empresa", afirma o juiz.
Reversão da justa causa concedida
Já em outro processo julgado por Setta, a justa causa foi revertida. O funcionário havia apresentado um atestado médico, válido, e postou uma foto no Facebook em uma festa no mesmo dia em que estava de licença. Para o empregador, houve fraude. Mas a Justiça constatou que não.
"A apresentação de um atestado falso dá justa causa, mas como não era falso... A alegação do processo era que a pessoa tinha melhorado e que a festa era no final da tarde e que tinha condições de ir. Ele poderia ter recebido uma advertência pela questão de estar numa festa. Achei que a justa causa era inválida porque o atestado era válido", explica o juiz.
Demissão por quebra de confiança
Setta ressalta que a falta de cuidado com a exposição de opiniões difamatórias relacionadas com a empresa pode gerar, além da visualização indesejada da rede social do colaborador, a quebra de confiança.
"Como não precisa justificar uma demissão, o empregador poderia demitir por quebra de confiança, por exemplo. Dificilmente um empregador poderia tolerar esse tipo de informação", explica.
Uso de celular representa risco
São várias as situações em que o uso do telefone celular pode colocar o emprego de um profissional em risco, e a demissão por justa causa também pode ser adotada. O advogado Leonardo Bertanha lembra do caso de um trabalhador que foi demitido por usar o celular em um local onde o risco de ter uma distração poderia gerar um acidente de trabalho: uma serralheria.
"Foi demitido porque a regra da empresa proíbe o uso do celular em razão das máquinas de corte. As empresas podem e serão responsabilizadas por sequelas, por exemplo. Se o empregado desvia a atenção por causa do telefone e se expõe ao risco, ele pode ser mandado embora por justa causa", explica.
O empregador tem a responsabilidade por lei de divulgar e exigir o cumprimento das regras de segurança e fiscalizar, segundo Bertanha.
A produtividade do funcionário também pode ser afetada devido ao uso excessivo do celular. "Não é uma justa causa de imediato. A prática reiterada desse tipo de conduta é configurada pelo relaxo, pouco caso, falta de comprometimento", ressalta o advogado.
Outro cuidado é em relação ao vazamento de informação sigilosa. Por exemplo, no setor automobilístico, Leonardo lembra que não é permitido circular pela fábrica com celular e tirar fotos. "Dependendo de onde tiver acesso, você guarda segredos da empresa", afirma.
G1