Postado em sexta-feira, 27 de julho de 2018 às 11:14

Parto normal após a cesárea: sim, é possível

Com alguns cuidados, o parto normal pode acontecer com segurança após uma cesárea. Conheça a história de mulheres que conseguiram...


 
A designer de interiores Ana, 36, buscou ajuda de uma médica da linha humanizada para evitar a segunda cesárea. (Foto: Guilherme Zauith)

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á 20 anos, a então gestante Ana Cristina Duarte teve seu primeiro bebê por meio de uma cirurgia cesariana. Era véspera de feriado e o obstetra disse que o parto seria muito lento, porque ela tinha o colo do útero grosso. Ana acreditou. “Eu não tinha nenhuma informação a respeito e nunca me passou pela cabeça que o médico que me acompanhava desde a adolescência fosse mentir para mim. Depois de dois anos, eu engravidei novamente e, assistindo a um documentário na TV sobre a indústria das cesarianas no Brasil, eu caí na real de que tinha sido enganada. Procurei um médico dentro do movimento humanizado, que ainda era pequeno, e tive um parto normal depois de cesárea”, relata.

A experiência transformou a vida não apenas de Ana Cristina, como também a de muitas futuras mães. Junto com o segundo filho dela, nasceu também uma das maiores vozes da humanização no Brasil. “Minha formação é como bióloga e, com o apoio de outras duas mães que haviam passado por situações semelhantes à minha, fizemos um site chamado Amigas do Parto. A partir disso, surgiu meu desejo de ser doula e, depois, parteira”, diz ela, que formou-se obstetriz pela Universidade de São Paulo e atualmente dedica seus dias a informar e assistir outras mães que buscam trazer os filhos ao mundo com respeito.

Ana Cristina é a prova viva de que o VBAC (sigla para Vaginal Birth After Cesarian, em inglês), como é chamado o parto normal depois de uma cesárea, é possível e seguro. Mas o assunto permanece um mito ainda hoje. O que não é de surpreender, uma vez que o Brasil ocupa o segundo lugar no mundo em percentual de cesarianas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) – o primeiro é a República Dominicana. Por aqui, 57% dos nascimentos acontecem cirurgicamente, bem acima dos 15% recomendados pela instituição.

A crença é baseada em evidências arcaicas. “No século passado, a cesariana era longitudinal, ou seja, cortava-se o útero de cima até embaixo, e isso aumentava a probabilidade de ruptura uterina numa tentativa de parto normal na gestação seguinte. Então, falava-se que uma vez cesariana, sempre cesariana”, explica Ana Cristina. A ruptura à qual ela se refere seria uma lesão provocada pelas contrações durante o trabalho de parto, uma vez que a incisão realizada previamente deixaria os músculos mais frágeis. “Com a mudança para o corte horizontal, no entanto, esse risco diminuiu”, garante a obstetriz.

Expectativa x realidade


A informação é validada pelo obstetra da Casa Moara, em São Paulo, Jorge Kuhn. “Não há nenhuma contraindicação a um VBAC. O que precisa é a gestante querer, além de entender e assumir os riscos com sua equipe médica. As chances de ruptura uterina existem, mas acontecem em 0,5% a 1% dos casos. Costumo falar sobre esses dados logo nas primeiras consultas e, então, pergunto se, para ela e o acompanhante, esse valor é alto ou baixo”, diz. O esclarecimento sobre a possibilidade de tal complicação por parte do médico, aliás, é uma recomendação do Ministério da Saúde. O órgão preconiza, ainda, que as grávidas sejam avisadas de que esse risco aumenta conforme o número de operações prévias. E, na ausência de outras contraindicações, a mulher pode e deve ser encorajada a tentar um parto vaginal. Tanto que um estudo realizado no Reino Unido, em 2013, com 144 mil mulheres que já haviam feito uma cesárea mostrou que o VBAC é possível e tem altas chances de sucesso. Pouco mais da metade (52%) tentou parto vaginal para o segundo filho e, dessas, 63% foram bem-sucedidas. O resultado foi publicado no jornal científico BJOG: An International Journal of Obstetrics and Gynaecology.

A dona de casa Vanessa de Sá Silva Coelho, 32, faz parte dessa estatística. Sempre quis ter um parto normal, mas após 12 horas de internação em uma maternidade, sem entrar em trabalho efetivamente, acatou a sugestão de seu médico para fazer uma cesariana. “Eu não aguentava mais ficar ali sozinha, com fome e frio, então, cedi”, afirma. Como não conseguiu realizar seu sonho, Vanessa sentiu-se incapaz de parir naturalmente quando engravidou outra vez, de gêmeos, dez meses depois. Sendo assim, o nascimento foi agendado para a 39ª semana de gestação. Quatro ou cinco meses depois que os gêmeos nasceram, ela e o marido assistiram na TV ao documentário O Renascimento do Parto (veja quadro nas páginas a seguir) por acaso. “Caiu a ficha. Eu me senti enganada, depois culpada por não ter buscado mais informação”, recorda-se a mãe de Alice, 4 anos; dos gêmeos Carlos e Luiza, 3; e de Miguel, 5 meses. Por isso, quando descobriu que estava grávida do caçula, decidiu fazer tudo diferente. Participou de encontros sobre o tema e buscou o apoio de uma equipe especializada em parto humanizado e, na 41ª semana de gestação, Miguel veio ao mundo com 49 cm, pesando 3,320 kg, em um parto domiciliar e sem nenhuma intervenção. “Durante esse processo, meu marido foi meu maior incentivador. O apoio dele foi fundamental para que eu conseguisse. Parimos juntos, efetivamente. Foi mágico”, diz.


A dona de casa Vanessa, 32, teve um parto natural e domiciliar após duas cesáreas. (Foto: Guilherme Zauith)

E se não houver dilatação?


Outro receio comum, e que tem razão de ser em relação ao VBAC, é sobre a indução do parto (ou seja, receber estímulo para o útero contrair). Como os movimentos podem ser mais fortes quando desencadeados por medicamentos, cresce o risco de ruptura uterina. Isso significa que o procedimento tem de ser feito com baixas dosagens e com monitoramento constante.

Como aconteceu com a empresária Cíntia Balaguer Simões, 42. Ela também foi desencorajada a fazer um parto vaginal na primeira gestação, cinco anos atrás. Quando já estava grávida pela segunda vez, a amiga Silvia Briani, que é enfermeira e doula, indicou a ela o mesmo filme que mudou a vida de Vanessa. “Fui me informando, me empoderando, e comecei a buscar equipes que fizessem parto humanizado”, conta a mãe de Bianca, 5 anos, e João Vítor, 2. Com 33 semanas, encontrou uma e, na 39ª, entrou em trabalho de parto. “Com cinco centímetros de dilatação, no entanto, ele parou de evoluir. A equipe tentou métodos naturais para tentar ritmar as contrações, sem sucesso. Então, decidimos induzi-lo com a ajuda de ocitocina sintética”, explica. João Vítor nasceu com 51 cm e 3,960 kg, na banheira, e foi direto para o colo da mãe. “A maior cicatriz da minha cesárea não foi a da pele, foi a que o médico deixou por desrespeitar a minha vontade. Mas, ao parir, eu me senti vingada. Mais que isso – capaz, plena e feliz.”

Outras opções eficazes (e seguras) para favorecer a dilatação do colo do útero são o descolamento da bolsa d’água ou a aplicação da sonda de Foley (cateter com um balão cheio de ar na ponta), que estimula a abertura do colo do útero de maneira mecânica.

O segundo parto da empresária Cíntia, 42, foi um VBAC com indução. (Foto: Guilherme Zauith)

Apoio e informação

Como você pode ler nesta reportagem, essas são as palavras de ordem. É preciso estar atualizada (e empoderada!) para conseguir um VBAC. Uma dica importante é frequentar os grupos de apoio ao parto normal, que são presenciais ou virtuais, e irão ajudar a mulher a trilhar esse caminho. Além disso, encontrar uma equipe preparada para este tipo de parto é fundamental.

Um estudo da Universidade de Manchester (Inglaterra) mostrou que mulheres que tiveram uma cesariana em uma gravidez anterior são muito propensas a ter um parto vaginal mais seguro se o seu atendimento pré-natal for liderado por uma parteira (o que é comum naquele país, mesmo em partos hospitalares). A pesquisa foi baseada em registros de 405 mulheres. Elas foram examinadas em dois grupos: um a partir de 2008, quando o atendimento pré-natal foi conduzido por obstetras; o segundo foi de mulheres que receberam atendimento pré-natal liderado por uma parteira, em 2011. O número de mulheres que, efetivamente, conseguiu o VBAC foi maior no grupo liderado por parteiras, com 61,2% ante 46,9%. De modo geral, por aqui, a maioria dos nascimentos realizados em hospitais são conduzidos por médicos obstetras, tanto homens quanto mulheres, mas a presença feminina é constante na figura da equipe de apoio (enfermeiras obstétricas e doulas).

A designer de interiores Ana Mouawad Queiroga, 36, por exemplo, agendou uma consulta com uma médica da linha humanizada seis meses após o primeiro parto. “Eu contei para ela que queria um segundo filho logo e não sabia se conseguiria um parto normal. Ela foi me deixando segura. Então, quando engravidei de novo, eu já estava com o emocional bem trabalhado”, diz a mãe de Ravi, 4, e Leon, 2. Assim como da primeira vez, o bebê encaixou com 32 semanas e apresentava uma circular de cordão (quando o cordão umbilical se enrosca no bebê). Porém, agora Ana já sabia que nem um nem outro eram indicações reais de cesariana. “Com 39 semanas, a bolsa estourou, por volta das 4h30. Cheguei no hospital perto das 10 h, já em trabalho de parto ativo. Pedi analgesia, só que não deu tempo do anestesista chegar”, conta. O bebê nasceu em um parto de cócoras (com uma banqueta específica), foi recebido pela obstetra e entregue ao pai, que o colocou no peito de Ana. “Naquele dia, senti como se tivesse parido não apenas o Leon, mas também o Ravi. Foi a minha libertação”, completa. Vale reforçar, no entanto, que, independentemente do sexo do profissional, o que realmente importa é a relação de confiança entre os futuros pais e o médico.

Por tudo isso, se você tem o desejo de vivenciar o parto normal e já fez uma cesárea, uma boa alternativa é procurar um serviço público onde os processos de humanização sejam prioridade, caso não possa pagar uma equipe particular. Os benefícios do VBAC, os mesmos do parto normal “comum”, compensam. “Menor risco de infecção, favorecimento da produção de leite materno e o retorno do útero ao seu tamanho normal mais rapidamente são alguns que merecem destaque”, afirma Wagner Hernandez, obstetra do Hospital e Maternidade São Luiz (SP), especialista em VBAC e partos gemelares. Além disso, o contato com as bactérias do canal vaginal ajuda no desenvolvimento imunológico, que irá refletir até a vida adulta. Isso sem contar a pronta recuperação da mãe, sem dores ou limitações para cuidar do bebê. Vale a pena lutar pelo seu sonho!

Quem não pode mesmo fazer um VBAC

Tanto o Ministério da Saúde quanto entidades médicas internacionais (como o Royal College of Obstetricians and Gynaecologists, na Inglaterra, e o American College of Obstetricians and Gynecologists, nos Estados Unidos) preconizam que o parto vaginal pode ser realizado em mulheres que passaram por, no máximo, duas cesarianas. Caso a cirurgia tenha sido longitudinal, ou seja, com incisão uterina vertical, o parto normal também é contraindicado. O ideal é esperar dois anos entre uma gestação e outra, pois o risco de ruptura aumenta em intervalos menores. Por fim, todas as contraindicações normais para um parto vaginal (como placenta prévia) também impedem, obviamente, o VBAC. Vale ressaltar, porém, que cada caso deve ser analisado individualmente pela equipe médica. E, claro, haverá situações em que, independentemente do número de gestações, a cesárea pode ser a opção mais segura para mãe e bebê.


Fonte: Revista Crescer



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