Postado em sábado, 21 de dezembro de 2019
Produtores do Sul de Minas utilizam plataforma digital para exportar café
Ferramenta permite contato direto dos cafeicultores com torrefadores estrangeiros.
Quando se fala de Agricultura 4.0, termo que remete à ideia de crescimento das tecnologias nos processos de produção da chamada 4ª Revolução Industrial ou Indústria 4.0, uma experiência vivida por cafeicultores familiares de São Gonçalo de Sapucaí, no Sul de Minas, chama atenção. Estamos numa era em que a cada hora surgem inovações tecnológicas, mas no meio rural, elas vão além da mera mecanização. Exigem curiosidade, ousadia, desburocratização e até coragem, mas os frutos podem ser surpreendentes e compensadores.
É o que nos mostraram os produtores de cafés especiais Adenilson Noimar Borgei, Alessandro Alvez Hervaz e Augusto Ferreira Borges. Todos atendidos pelo escritório local da Emater-MG. O caso é exemplar, porque revela como é possível pequenos produtores e não apenas os médios e grandes, alcançarem bons resultados na comercialização, se estiverem dispostos a se abrirem ao novo. Foi o que fizeram esses três jovens cafeicultores da Associação de Produtores do Alto da Serra (Apas), em 2014, após assistirem à apresentação de uma plataforma para venda online de café, por uma startup suíça de nome Algrano.
“Fomos convidados para conhecer a plataforma, em Varginha. A apresentação era feita por um grupo de jovens da Suíça. Havia uma plateia de 60 pessoas, mas à medida que os apresentadores falavam, as pessoas iam saindo”, relembra o coordenador técnico estadual de Culturas da Emater-MG, Sérgio Brás Regina, que na ocasião atuava no escritório local da empresa, em São Gonçalo de Sapucaí. Segundo Sérgio, ao final da reunião, somente ele e os jovens da Apas estavam presentes. “Os olhos desses cafeicultores brilhavam com a ideia. Assim, no dia seguinte, os rapazes da Suíça estavam no escritório da Emater e a gente topou entrar na plataforma como piloto”, conta.
De acordo o coordenador, já naquele ano, o grupo postou “três ou quatro” lotes de café, na plataforma, dando início a uma nova maneira de comercializar o produto fora do país, diretamente com os torrefadores. E o melhor, a saca superou três vezes o preço de mercado. “Normalmente quem põe preço no café é o mercado, a Bolsa de Nova York. No caso da plataforma, não. O produtor estipula o preço que ele quer no seu café”, explica Sérgio.
Sérgio Brás Regina acrescenta que, o aplicativo abriga torrefadores de todo o porte. “Do pequeno ao grande”, pontua. Ele enfatiza, ainda, a importância do contato direto do produtor com o torrefador, um vínculo comercial que beneficia a ambos. Para o coordenador, essa é uma iniciativa tipicamente 4.0. “O 4.0 prega que a gente deve ter atitudes, ser direto, ou seja evitar atravessadores. E essa iniciativa pulou três ou quatro atravessadores, colocando o produtor em contato direto com o torrefador”, argumenta.
Cafeicultores 4.0
Na época da adesão dos três cafeicultores à plataforma suíça, a Apas tinha 24 associados e todos eles também encararam a digitalização das vendas. Hoje, segundo o coordenador Sérgio Brás, a associação tem cerca de 60 filiados e os cafés Fair Trade (certificação de grupo ou comércio justo) da Apas são vendidos pela plataforma. A maior parte para a Europa.
Um dos protagonistas do piloto de São Gonçalo de Sapucaí, o cafeicultor Alessandro Alves Hervaz fala com orgulho da experiência. “Nós começamos juntos com a Algrano. Os primeiros cafés que foram colocados na plataforma, no Brasil, foram os da Apas. Desde 2015 a gente tem feito vendas com eles. Tenho clientes que conquistei naquele ano e vendo até hoje. Para mim, eles são os braços da gente na Europa”.
Segundo Alessandro, o vínculo comercial entre produtores e compradores só tem sido fortalecido ao longo desses anos e por isso prevalece o interesse de trabalhar com eles por muito tempo. “Vários compradores nos visitaram e eu também tive a oportunidade de conhecer e visitar a sede deles na Suíça. A gente quer trabalhar com eles por muitos anos e aumentando o volume a cada ano”, afirma.
O também cafeicultor Ademilson Noiman Borgei reforça as palavras do parceiro de atividade. “A Algrano facilitou muito esse contato do produtor com o torrefador. Através de um link da plataforma podemos conversar em tempo real com o torrefador. Saber da demanda dele e ele também pode entender um pouco da produção, do que a gente está fazendo aqui. Isso é importante, porque quando a gente vende, por meio do exportador, que faz a intermediação, a maior fatia fica com eles, quando vende direto, o produtor ganha mais”, explica.
Já o terceiro produtor de São Gonçalo de Sapucaí a ter a oportunidade de conhecer a plataforma, em 2014, Augusto Ferreira Borges, elogia a oportunidade de vender café, sem ter limite de oferta. “Não importa o número de sacas. A oportunidade pode ser para o pequeno, médio e grande produtor. E a gente tem uma conexão direta. É o que gente sonhava”, relata, emendando o apoio que tiveram da Emater-MG, desde o começo da iniciativa. “Mas tudo isso que a gente tá vivendo aqui, só foi possível com o apoio da Emater, que desde o início nos motivou. A Emater foi a gasolina do negócio”, elogiou.
Para o coordenador técnico Sérgio Brás Regina, essa experiência é um exemplo de como todos os elos da cadeia do café, desde o produtor, torrefador e consumidor estão ganhando. “Os consumidores têm acesso aos bons cafés certificados da agricultura familiar. O produtor pula os atravessadores e portanto aumenta a margem do lucro. E para o torrefador também é bom, pois com certeza pagou mais barato por esse café.
Sérgio aponta que outros produtos da agricultura familiar também podem se beneficiar com sistemas de vendas semelhantes. “Ela pode ser multiplicada para outros produtos. Não só café. Podemos ter plataformas virtuais para vendas no Programa Nacional de Alimentação Escolar, no Programa de Aquisição de Alimentos, produtos do agroextrativismo, da agroindústria”, argumenta.
Cafés de qualidade
Ainda conforme Sérgio, a renda e a qualidade de vida dos produtores melhoraram muito, após a comercialização na plataforma. “Eles começaram a investir o aumento de renda em infraestrutura para melhorar a qualidade do café. Começaram a construir terreiros, comprar secadores, fazer estufas de secagem e terreiros suspensos.
Eles foram evoluindo no sentido de melhorar a qualidade. Hoje, em São Gonçalo de Sapucaí, onde a Apas tem atuação, até o preço da terra mudou. O preço das terras subiu, chegou a duplicar, por essa iniciativa de trabalhar com cafés de qualidade”, revela.
São considerados cafés de qualidade ou especiais, aqueles aprovados em laudo classificatório, feito por um profissional conhecido como Q-grader e que atinja uma pontuação acima de 80 pontos, segundo o coordenador técnico estadual Sérgio Brás Regina. Naturalmente são levadas em conta as características como aroma, uniformidade, ausência de defeitos, doçura, sabor, acidez, corpo, finalização, harmonia, conceito final que é a impressão geral sobre o café, atribuída pelo classificador.
Emater 4.0
Em dezembro, a Emater-MG lançou o programa Emater 4.0. Ele é uma referência à Agricultura 4.0, que se baseia em conteúdo digital por meio do processamento e análise do grande volume de dados, que vêm sendo produzidos em todas as áreas que contribuem com o desenvolvimento agrícola. Conhecimentos que podem ser aplicados em todos os elos da cadeia produtiva. Algumas das tecnologias empregadas na Agricultura 4.0 são: internet das coisas, veículos autônomos, sensores, drones e satélites.
Uma das novidades apresentadas pela Empresa é a implementação do Deméter, uma ferramenta digital, utilizada pelos técnicos no campo, que vai permitir maior agilidade de atendimento e melhoria das análises sobre as atividades das propriedades rurais. Além do Deméter, Emater-MG tem desenvolvido outras ações, como a criação de uma sala de videoconferência em Belo Horizonte para reuniões virtuais com as equipes do interior do estado, uso de drones para zoneamento ambiental produtivo em municípios mineiros e a criação de um aplicativo para conferência do patrimônio da empresa.
O Emater 4.0 faz parte do programa Agritech, do Governo de Minas Gerais, que é coordenado pela vice-governadoria. O Agritech tem o objetivo de desenvolver e disponibilizar novas tecnologias que irão contribuir para o desenvolvimento da agropecuária mineira.
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