Postado em quarta-feira, 22 de agosto de 2018 às 09:49

Você gosta de literatura?

Antes de responder, que tal refletir sobre o que você considera Literatura…


 Façamos essa pergunta a um grupo de pessoas. Quaisquer idades, quaisquer classes sociais, orientações religiosas ou direcionamentos políticos. Acredite, normalmente a resposta será “não!”. Talvez até um, “ah, gosto, mas não muito”.

Haverá aqueles, é claro, que dirão que são cultos, complexos, e que citarão diversos nomes célebres, quase que como uma lista de obrigatoriedades a cumprir para ser aceito por determinado grupo social que se ache mais intelectualizado e partilhe de um mesmo capital cultura, mas, no geral, o que vem à mente das pessoas são os longos e maçantes livros impostos nas aulas de Literatura do Ensino Médio, como se o fato de não gostarem especificamente desse tipo de leitura fizesse de suas experiências literárias algo a ser desconsiderado e ignorado.

Responder à pergunta título deste texto requer uma reflexão um pouco mais aprofundada, devemos antes pensar o que realmente consideramos Literatura e o que buscamos quando experimentamos dessa arte. Afinal, Literatura é apenas o que o cânone literário determina? Quem pode dizer o que é e o que não é Literatura?

O conceito Literatura remete à ideia de “arte da palavra”, isto é, expressão artística e estética colocada em prática fazendo uso da linguagem verbal. O que, então, significa essa expressão estética?

Voltemos ao grupo para quem teríamos perguntado se gosta ou não de Literatura, reformulemos a pergunta e questionemos se há algum tipo de música popular, cantiga de roda, trova que era recitada pela mãe, pela tia ou pela avó, ou até algum versinho aprendido na época da alfabetização e que remeta a uma memória afetiva. Não são essas manifestações Literatura também? Não são expressões estéticas que fazem uso da palavra para atingir ao outro? Quantas músicas não passaram a significar momentos e sensações porque “parece que foi feita exatamente para aquele momento que vivemos”?

Nem só de poesia canônica, clássica, de métrica perfeita e rima rica é feita a expressão poética, assim como nem só de conflitos internos e fluxos de consciência complexos são feitas as narrativas.

A história de infância do tio, repleta de elementos mágicos e aventuras, a fofoca entre amigos, com muitas caracterizações de personagens, os filmes que nos fazem chorar ou pensar sobre a vida, as séries que nos prendem em longas maratonas e que nos deixam “órfãos” até a próxima temporada e as telenovelas que pararam e ainda param o nosso país e que emocionaram gerações, também são expressões estéticas que fazem uso da linguagem verbal e que, além disso, colocam em prática todos os elementos que compõem uma narrativa.

Gostamos de poesia, gostamos de histórias, independentemente delas serem reconhecidas (ou não) como obras clássicas e maestras. Gostamos de nos expressar, precisamos nos expressar e nos sentir conectados com algo “maior”. E, por isso, todos essas expressões são também Literatura, porque são comunicação estética que geram inspiração e catarse.

Os clássicos e cânones cumprem uma função estética e social importantíssima, são expressões de uma época, além de recursos estéticos e fazeres literários riquíssimos, expressões do engenho e da arte humana, mas são tipos de expressão, dentre tantos outros. Negar essas outras formas de expressão é, também, posicionar-se politicamente diante do mundo, é dizer que se há algo que é mais importante, que é maior, há outros que são inferiores, porque não atendem aos parâmetros validados por um determinado grupo social.

Não queremos aqui negar a importância e os resultados atemporais que os clássicos e a Literatura canônica atingiram, queremos apenas lembrá-los que há muitas outras formas de se ver e de atribuir valor a expressões artísticas que façam uso da palavra. Agora sim, responda: Gosta de Literatura?




Fonte:Estadão



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