Postado em sábado, 18 de agosto de 2018 às 11:11

Viajar com uma criança pequena - sim, é possível fugir do óbvio e explorar países distantes

O repórter Edison Veiga afirma que é possível conhecer o mundo e encarar aventuras com um bebê de colo; o filho dele, Chico, já cruzou a Rússia e a Mongólia de trem, e viajou de carro pela África...


"não sei se caso ou se compro uma bicicleta" da minha geração - brasileiros nascidos nos anos 1980 - se tornou "não sei se viajo ou se tenho um filho". Pelo menos esse é um dilema de muitos casais jovens - o temor de que um rebento vá interromper a ideia de descobrir o mundo, atrapalhar tanto o sossego quanto a adrenalina das férias, condenar o casal (então convertido em trio ou quarteto ou...) a gastar aquele mês sagrado do ano em um resort all-inclusive ou, no máximo, uma Disneyzinha ou outra.

Pois eu e minha mulher - a designer Mariana - também tínhamos esse medo. E, com a certeza de que o superamos, venho aqui dizer para você: existe passaporte carimbado após a maternidade/paternidade.

Foi o que descobrimos com nosso pequeno Chico, um aventureiro de 4 anos e meio que já fez bagunça em 19 países diferentes. Entre as experiências do pequeno estão acampar com nômades na Mongólia; cruzar 4 mil quilômetros na África; nadar no rio Negro no meio da Amazônia; percorrer toda a Transiberiana; se encantar com os fiordes escandinavos; e, sim, também conhecer a Disney.

Onde viajar com os filhos pequenos

Pais de primeira viagem (com o perdão do trocadilho infame), sejam conservadores do planejamento. Isso significa escolher como primeiro destino de férias com a criança um local relativamente próximo (se tudo der errado, estará fácil voltar), relativamente bem estruturado (se tudo der errado, vai dar para resolver) e relativamente com folga no cronograma (se tudo der errado, vai dar para fazer mais devagar).



Primeira viagem internacional de Chico foi para o Uruguai e a Argentina, quando ele tinha 10 meses (Foto: Arquivo Pessoal)

Em nosso caso, quando Chico tinha dez meses, decidimos passar duas semanas no Uruguai e na Argentina. Morávamos em São Paulo.

Como o bebê, tivemos que aceitar algumas adaptações: em restaurantes classudos, era preciso ligar antes para saber se aceitavam criança (na Argentina, os dois que queríamos conhecer aceitaram; no Uruguai, um aceitou, outro barrou); ao longo do dia, era preciso programar pausas para esquentar mamadeira (funcionários solícitos de cafés sempre topavam emprestar o micro-ondas) e trocar fraldas (leve um pequeno lençol para usar como forro emergencial, aí qualquer gramadinho mais tranquilo no canto de uma praça vira um ótimo trocador).

No geral, tudo deu certo. E achamos que poderíamos, sim, programar voos mais altos - ou melhor, mais longos.

Muitos nos perguntam como fazemos. Muitos acham que nada dá errado. Não tem lá muito segredo. Quando viajamos juntos, fazemos o que mais gostamos. E as férias são o único momento do ano em que nós três podemos dar atenção plena para nós três, já que não há outros problemas ou preocupações para atrapalhar. E muita coisa dá errado, sim. É matemática pura: quanto mais gente no grupo, maior a chance de algo sair fora do planejado. Assim, viajar em três pode trazer mais perrengues do que em dois.


Chico já acampou na Mongólia com os pais; imprevistos acontecem, mas alguns cuidados podem evitar dor de
cabeça maior (Foto: Arquivo Pessoal)


Chico já ficou doente no meio de uma viagem? Sim, uma febre interminável em Bergen, na Noruega. Chico já teve problemas com fuso horário? Sim, a ponto de a recepção do hotel em Dubai ligar para o quarto reclamando do barulho. Chico já deu muito trabalho, fisicamente falando? Sim, em quase todas as precárias estações de trem do interior da Rússia, quando tínhamos de conseguir carregar todas as malas e ele também, muitas vezes em escadas difíceis e correndo contra o tempo para não perder o trem. Chico já chorou sem explicação no meio de um passeio? Já, claro, como toda criança.

Não tem uma receita de bolo, uma fórmula pronta. Porque cada família é diferente. E cada criança, obviamente, tem seu próprio temperamento e suas próprias mini-idiossincrasias. Mas, a quem quer saber alguns segredos, minha experiência permite dar algumas dicas simples para que tudo dê certo.

Como planejar viagens com crianças

A primeira dica é programar uma consulta ao pediatra sempre antes de qualquer viagem longa. Somente o médico que acompanha de perto seu filho vai saber aconselhar bem, com base no histórico dele, quais remédios emergenciais levar na mala, se é preciso tomar alguma vacina, e se é recomendável fazer alguma exame depois. De quebra, essas consultas pré-viagem sempre dão uma boa sensação de segurança.

Outro cuidado é com a documentação necessária. Parece muito óbvio, mas é preciso atentar para as datas de validade do passaporte - que expiram mais rápido quanto mais nova é a criança. E verificar de antemão se o país a ser visitado pede mais alguma coisa. Quando fomos para a África do Sul, no ano passado, surpreendemo-nos com a inusitada necessidade de uma cópia da certidão de nascimento - sim, um documento que, teoricamente, só seria válido em território brasileiro - do Chico, pelo fato de ele ser menor de idade. Por sorte, tínhamos o documento escaneado em um email e aí conseguimos imprimir no aeroporto.

Uma questão que sempre aparece em conversas sobre viajar com criança é a alimentação. Em viagens costumamos ser mais tolerantes se o Chico pula alguma refeição, se come fora de hora ou se ingere mais porcarias. São férias, afinal, então também é preciso desestressar um pouco. Mas é bom ter em mente - e reservar um espaço na bagagem - que alguns alimentos práticos facilitam muito o modus operandi. É o caso daquelas papinhas industrializadas. Em casa, não gostávamos de oferecê-las ao Chico. Mas, nas viagens de férias, quando ele era menorzinho, éramos convencidos pela praticidade.

Por fim, uma coisa importante é que, na cabeça de um bebê, a rotina é extremamente importante. Na realidade, os pequenos têm uma necessidade de que as coisas se repitam, isso dá a eles segurança. Se são férias, isso pode não ocorrer, afinal, uma viagem pressupõe justamente a quebra da rotina. Passeios diferentes, horários diferentes, hotéis diferentes.

A solução que encontramos foi comprar um pacote de bexigas coloridas - um brinquedo que toda criança gosta, barato e que ocupa pouquíssimo espaço na mala. Todos os dias, na volta para o hotel, eu enchia uma e dava para o Chico. Ao mesmo tempo que ele tinha com o que se divertir, ele compreendia que os passeios daquela jornada tinham acabado. Fechava o ciclo. Era um código que o levava para um mínimo de rotina dentro das férias.

Cuidados antes de viajar com bebê

Mas a primeira mudança foi em nossas cabeças de pai e de mãe. Ainda nos primeiros meses de gravidez, entre as imagens deformadas do ultrassom e as compras de enxoval, vez por outra Mariana e eu nos pegávamos conversando sobre algum "e se". E se a gente tentasse viajar com nosso filho? E se der certo? E se ele for uma criança comportada em avião? E se ele for calminho? Será mesmo que não dá?

Quando Chico nasceu, decidimos que o melhor jeito de ver se dava certo era comprovando, na prática. E que, para ter coragem, o certo seria não perder o pique. Decidimos que faríamos uma viagem internacional com ele antes do primeiro aniversário.

Fomos cuidadosos. Escolhemos um destino próximo a São Paulo, cidade onde morávamos. Relativamente sem riscos. Se tudo desse errado, seria fácil abortar o fim da viagem e retornar antes para casa. E calculamos um roteiro espaçado, com o dobro de dias do recomendado em cada uma das cidades. Chico tinha dez meses quando foi nossa malinha de bordo pela primeira vez. Passamos agradáveis férias em Montevidéu, Colônia do Sacramento e Buenos Aires.

Fomos cuidadosos, eu dizia. Antes da viagem, passamos na pediatra que acompanhava o Chico desde a maternidade. Paula Woo Guglielmetti jamais nos demoveu da ideia - nem dessa, nem das outras viagens que viriam. Ao contrário, fez todas as orientações necessárias, deixou o WhatsApp à disposição caso precisássemos de alguma orientação urgente, recomendou quais medicamentos era bom levarmos. E na primeira viagem fomos tão precavidos que chegamos a botar um inalador na mala!

Tudo deu certo. Tudo foi melhor do que o planejado. Tudo foi tão tranquilo que voltamos para casa convencidos de que as aventuras poderiam continuar. E poderiam ser mais incríveis ainda do que antes.

No ano seguinte, embarcamos os três para os países nórdicos: Dinamarca, Noruega, Suécia, Finlândia. No outro, realizamos o sonho de uma viagem que achávamos que não daríamos conta nem quando éramos apenas dois: a ferrovia transiberiana, com paradas em cidades da Rússia, da Mongólia e da China.

Chico esteve com a gente ainda nos Emirados Árabes Unidos, no Chile, em um hotel de selva na Amazônia e em uma aventura incrível por África do Sul, Namíbia, Zimbábue e Zâmbia - sendo que 4 mil quilômetros desse périplo africano foram vencidos de carro -, viu neve pela primeira vez na região de Mont Blanc...

Vantagens de viajar com crianças


Aos 4 anos e meio, Chico está se tornando um moleque tão apaixonado pelo mundo como a gente é. Encanta-se com as diferenças. Aponta países no mapa. Pergunta pela próxima viagem. No ano passado, na África, deixamos uma velha máquina fotográfica com ele - e foi muito legal vê-lo registrando, a seu modo, aquilo que lhe era mais peculiar.

Em abril, em Paris, deixamos que ele escolhesse, pela primeira vez, um passeio por dia - e ele se revelou um ótimo planejador, pedindo para fazer tour de barco pelo Sena e, mesmo sem saber que podia, querendo subir ao topo da "torre Milfa", que é como ele chama a Torre Eiffel.

Justamente porque muitos nos perguntam essas coisas todas, decidimos, desde o ano passado, expor os bastidores dessas viagens nas redes sociais. No Instagram somos @the_veigas. No Facebook, The Veigas. Quanto mais somos acompanhados por pessoas de fora de nosso círculo de amizade, mais percebemos o quanto somos privilegiados: com as distâncias tão encurtadas graças aos ágeis meios de transporte de hoje em dia, podemos exercer a paternidade e a maternidade sem abrir mão de conhecer o mundo.

E gostar de conhecer o mundo é o maior legado que acreditamos sermos capazes de deixar para nosso filho. Para que ele sempre respeite as diferenças. Sempre valorize o outro. Sempre aprenda. Sempre se divirta.  



Fonte:G1



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