Postado em segunda-feira, 2 de julho de 2018 às 08:08

O alerta (político) do México nas eleições mexicanas demonstra a força

A vitória de Andrés Manuel López Obrador nas eleições mexicanas demonstra a força do populismo de esquerda na América Latina...


O maior recado do México ao Brasil hoje não vem do futebol, mas da política: a vitória esmagadora nas eleições de ontem (com mais de 30 pontos de vantagem sobre o segundo colocado) de Andrés Manuel Lopes Obrador, conhecido pela sigla AMLO, demonstra a força e a persistência do populismo de esquerda na América Latina.

Apesar do fervor esquerdista no discurso, AMLO não é um Hugo Chávez. Sua campanha guarda semelhanças com a do brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva em 2002. Ao mesmo tempo que prometia mudanças, tentava tranquilizar empresários e mercado financeiro sobre o compromisso com responsabilidade fiscal, autonomia do banco central e contratos estabelecidos em gestões anteriores.

“Não atuaremos de maneira arbitrária, não haverá confisco nem expropriação de bens”, afirmou AMLO no discurso de vitória. “As mudanças serão profundas, mas se darão com respeito à ordem legal estabelecida. Haverá liberdade empresarial, de expressão, de associação e de crença. Estarão garantidas todas as liberdades individuais e sociais, assim como os direitos consagrados na Constituição.”

O México tem executado há 30 anos com sucesso uma agenda de integração à economia global, apoiada na responsabilidade fiscal e na manutenção de um ambiente favorável aos negócos. Reformas estruturais em diversos setores resgataram a produtividade, atraíram investimentos externos e, desde 2009, o país registra o mais longo período ininterrupto de crescimento econômico.


Andrés Manuel López Obrador, conhecido pela sigla AMLO, saúda apoiadores em discurso  (Foto: Edgard Garrido/Reuters)
Mas a taxa média, de 2% ao ano, tem sido insuficiente para mudar a qualidade de vida da população. Sobretudo num ambiente marcado pelos dois problemas que deram o tom da campanha de Obrador: violência e corrupção.

Em 2017, o país viveu a maior onda de homicídios dos últimos 20 anos, resultado sobretudo da disputa territorial entre os carteis de drogas que o governo tem se revelado incapaz de deter. Nos últimos quatro anos, 9 dos 32 governadores foram investigados, indiciados ou presos em escândalos de corrupção.

Em agosto, o ex-presidente da Pemex (a estatal mexicana do petróleo) Emílio Lozoya, aliado do presidente Enrique Peña-Nieto, foi acusado de ter recebido propinas de US$ 10 milhões da Odebrecht. O próprio presidente Peña-Nieto foi envolvido num escândalo como beneficiário de uma casa de US$ 7 milhões.

“A transformação será desterrar a corrupção de nosso país”, disse AMLO ontem depois da vitória. Seu discurso segue a receita mais básica da cartilha populista: o país está dominado por uma máfia, uma elite que promove reformas “neoliberais” em benefício próprio – que só ele pode combater. Seu modelo é o ex-presidente Lázaro Cárdenas, uma espécie de Getúlio mexicano, que nacionalizou a indústria do petróleo em 1938.

Mas, assim como Lula ou Getúlio, AMLO é um veterano da elite política mexicana. Começou nos anos 1980 no Partido Revolucionário Institucional (PRI), o longevo partido que governou o país por mais de 70 anos (até o ano 2000). Rompeu com o PRI depois da fraude que, nas eleições de 1988, impediu a vitória do filho de Lázaro, Cuauhtémoc Cárdenas, com quem se uniu para fundar o esquerdista Partido da Revolução Democrática (PRD).

Depois de duas derrotas em eleições presidenciais (2006 e 2012), AMLO deixou o PRD para reunir um grupo independente, submetido caninamente a seus desígnios. A iniciativa resultou, há quatro anos, no Movimento de Regeneração Nacional (Morena) – que o levou à vitória ontem sobre os candidatos do PRI e do PRD.

O sucesso se deveu à postura ambivalente de AMLO, que permitiu ao Morena abrigar simpatizantes de Chávez ou Fidel Castro, esquerdistas das universidades, evangélicos, artistas, atletas e empresários com inclinações à esquerda – um “saco de gatos” não muito diferente do que já foram o MDB ou o próprio PT aqui no Brasil.

A maior dificuldade dessa estratégia política surge na hora de governar. O maior temor do mercado é que o populismo de AMLO represente um retrocesso nas reformas que abriram o setor de energia e petróleo à competição estrangeira em 2014 e atraíram US$ 200 bilhões em investimentos nos próximos anos.

Embora os preços da telefonia e da eletricidade tenham caído, os de gás, diesel e gasolina subiram. A opinião pública não acredita na abertura ao setor privado. De acordo com uma pesquisa recente da Brookings Institution, mais de 60% dos mexicanos defendem uma política de controle de preços da eletricidade e da gasolina.

A visão econômica de AMLO está inspirada no estatismo e no fechamento comercial, protagonizados por seu ídolo Cárdenas, num tempo em que o México produzia quase tudo aquilo que consumia – e, naturalmente, era um país muito mais pobre e miserável. A principal dúvida é como essa visão se traduzirá na prática, num momento em que a economia mexicana está integrada nas cadeias globais de produção e acordos de livre-comércio, como o Nafta.

Em suas diatribes na campanha, AMLO não poupou críticas ao presidente americano, Donald Trump. Entre janeiro e março de 2017, esteve nos Estados Unidos e atacou a “hispanofobia” de Trump em discursos, depois reunidos no livro Oye, Trump (Escuta aqui, Trump). Comparou-o a Hitler e, em janeiro passado, advertiu que, se Trump faltasse com o respeito, o colocaria “em seu devido lugar”.

Paradoxalmente, a visão isolacionista que ambos têm da economia não é tão diferente assim. Assim como o estilo populista com que tentam despertar o sentimento popular. Qual será a reação de AMLO na renegociação do Nafta ou na disputa em torno das políticas migratórias?

Questionado sobre o muro na fronteira pelo repórter Jon Lee Anderson, AMLO disse que, se Trump fosse adiante com ele, “o denunciaria à ONU por vilar direitos humanos”. Depois acrescentou que “não era prudente atacar Trump diretamente”. E se disse disposto a negociar uma nova relação com o vizinho. Trump saudou a vitória de AMLO num tuíte. A aproximação recente do tirano coreano Kim Jong-un demonstra que tudo é possível – até mesmo uma amizade entre Trump e AMLO.







Fonte: G1



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