Postado em terça-feira, 29 de agosto de 2017
às 13:44
Especial: VR é a nova arma da psicologia contra fobias e ansiedade
A era da realidade virtual finalmente chegou. Durante muitos anos, obras de ficção científica, seja no cinema, nos livros, nos quadrinhos ou nos...
A era da realidade virtual finalmente chegou. Durante muitos anos, obras de ficção científica, seja no cinema, nos livros, nos quadrinhos ou nos video games, usaram e abusaram de personagens e situações que utilizavam dispositivos de realidade virtual por uma infinidade de motivos. Voltando para o mundo real, em 2016, alguns óculos VR foram lançados e vêm se tornando cada vez mais populares entre os fãs de tecnologia.
Inicialmente, quando se pensa em óculos de realidade virtual, a primeira coisa que nos vem à mente são jogos de video game. Tanto o Oculus Rift quanto o HTC Vive e o PlayStation VR oferecem uma boa quantidade de games dos mais variados estilos nos quais os jogadores podem imergir na ação, na aventura e até no horror dos títulos explorados. Porém, uma nova função para a realidade virtual vem ganhando espaço: o tratamento psicológico de traumas e fobias.
Para entender um pouco mais como funciona esse tipo de terapia, que leva os pacientes para dentro de situações que podem causar pavor – como uma viagem de avião, uma ida ao posto de saúde para tomar uma injeção ou até mesmo falar em público –, o TecMundo conversou com a psicóloga Nataly Martinelli, que realiza tratamentos usando óculos de realidade virtual.
Virtual, mas quase real
É possível colocar um paciente com fobia em voar de avião para participar de todas as etapas de uma viagem desse tipo sem que ele saia do consultório onde faz seu tratamento
Estudos já são feitos no mundo todo para entender como a realidade virtual pode ajudar no tratamento de depressão, ansiedade e psicose. A boa notícia é que, nos dias de hoje, a tecnologia existente permite a criação de situações de maneira tão verossímil que seu efeito na mente dos pacientes é praticamente o mesmo de um acontecimento no mundo real.
Assim, é possível, por exemplo, colocar um paciente com fobia em voar de avião para participar de todas as etapas de uma viagem desse tipo sem que ele saia do consultório onde faz seu tratamento. Além de mais prático, é claro, é muito mais barato e seguro para quem está realizando a terapia, que é feita em etapas e com monitoramento das reações do paciente.
Simulação controlada
Segundo a psicóloga Nataly Martinelli, “os óculos de realidade virtual podem corroborar no tratamento com pacientes que apresentam os seguintes sintomas: medo de voar, de injeções e agulhas, de animais, de dirigir, de falar em público, do escuro, agorafobia (o medo de estar em espaços abertos e amplos ou entre muita gente), claustrofobia, TOC (transtorno obsessivo-compulsivo), ansiedades em geral, como antes de exames ou provas, e Síndrome do Pânico”.
O tratamento com realidade virtual acaba sendo mais intenso e real, colocando o paciente em cenários que lhe causam fobia
A grande vantagem da realidade virtual é esse contato imersivo com aquilo que afeta a pessoa. “Nos tratamentos convencionais de fobias e ansiedade, o enfrentamento do medo é feito normalmente pela imaginação, com situações sendo sugeridas e o paciente pensando nelas, de forma gradativa”, diz Martinelli.
“O tratamento com realidade virtual acaba sendo mais intenso e real, colocando o paciente em cenários que lhe causam fobia, além de contar com técnicas de respiração diafragmática, relaxamento muscular progressivo e mindfulness”, ela conclui.
Auxílio essencial
Vale lembrar que os tratamentos psicológicos utilizam os óculos de realidade virtual como uma ferramenta para que a terapia seja mais eficaz, mas continuam, em paralelo, realizando outros procedimentos como complemento desse processo.
Além dos óculos de realidade virtual, a psicóloga conta que trabalha “com hipnose, parcerias para reforços no processo de dessensibilização e acompanhamento do nível de estresse e tensão por meio do dispositivo “biofeedfack”, que registra a condutância da pele por meio de dois eletrodos colocados nos dedos das mãos, um no indicador e outro no dedo médio, pontos esses nos quais se localizam as glândulas sudoríparas”.
Tratamento alternativo?
Quem é cético demais pode achar que a terapia com realidade virtual é experimental, ou que pode ser recente demais para ter sido estudada o suficiente pela comunidade médica. A psicóloga Nataly Martinelli diz o contrário: “A realidade virtual é uma tecnologia validada por mais de 20 anos de investigação no campo da Psicologia. A princípio, é uma mudança de paradigma, e, como toda mudança, causa certo desconforto em alguns profissionais”.
A inibição completa passa por dedicação, aceitação e persistência de pacientes, o que nem sempre é mensurado de maneiras equivalentes de pessoa para pessoa
Ela, no entanto, reforça que as novas tecnologias têm sido cada vez mais parte do cotidiano médico e mais bem-aceitas: “Tenho sentido grande aceitação, tanto de profissionais como de pacientes. Acredito que essas imersões atuais em novas tecnologias estejam reduzindo o tempo de adaptação do mercado”.
Quanto ao sucesso desse tipo de tratamento, Martinelli afirma: “Existem estudos indicando percentuais muito elevados para a redução dos níveis de ansiedade. Porém, a inibição completa passa por dedicação, aceitação e persistência de pacientes, o que nem sempre é mensurado de maneiras equivalentes de pessoa para pessoa. Está validado cientificamente que é um tratamento bastante eficaz, porém quantificar numericamente é uma tarefa bastante complexa”.
Um certo mal-estar?
Vale lembrar que não é todo mundo que lida bem com a realidade virtual – se você já experimentou algum jogo nesse tipo de plataforma, ou conhece quem já o tenha feito, deve ter ouvido falar ou percebido que é possível sentir algum tipo de mal-estar, como enjoo ou tontura. Porém, a quantidade de pessoas que não se sente bem com os óculos VR é muito baixa.
Um pequeno percentual de pessoas (aproximadamente 0,025%) pode ter convulsão, náuseas ou desorientação quando se utiliza os óculos de realidade virtual
“Um pequeno percentual de pessoas (aproximadamente 0,025%) pode ter convulsão, náuseas ou desorientação quando se utiliza os óculos de realidade virtual. Cabe enfatizar que as convulsões provocadas pelas luzes piscando são mais comuns em pacientes epiléticos”, comenta Martinelli.
“Desta forma, recomenda-se não utilizar essa ferramenta em pacientes com esse sintoma ou avisá-los sobre os riscos. Para minimizar essa possibilidade, a plataforma vem trabalhando no controle do uso de luzes em experiências virtuais”, a psicóloga conclui.
Equipamento
Existem diversas opções de óculos de realidade virtual no mercado. Alguns, mais caros, são dispositivos complexos que usam, além da tela em si, outros elementos que as pessoas usam para interagir com o programa utilizado, como controles que ficam nas mãos e detectam os movimentos e o posicionamento dos membros dos usuários.
Outros aparelhos são mais simples e você pode utilizá-los em conjunto com smartphones, que são encaixados no visor. No caso do tratamento feito pela psicóloga Nataly Martinelli, é usado esse modelo de óculos VR, com vídeos produzidos por uma startup europeia especializada nesse tipo de conteúdo.
Não faça isso em casa!
Apesar da facilidade de acesso a dispositivos de realidade virtual, dado seu oferecimento amplo e o preço relativamente acessível, não é recomendável que esse tipo de tratamento seja realizado pelo paciente por conta própria. Não que haja algum perigo evidente nisso, mas a terapia é muito mais complexa e exige acompanhamento especializado e auxílio de outros métodos já citados aqui.
Com o passar do tempo, vai ser cada vez mais fácil conseguir tratar fobias e outros problemas similares entrando de cabeça na realidade virtual
“Não existe a possibilidade [de um tratamento por contra própria do paciente], pois essas ferramentas estão sendo desenvolvidas para psicólogos utilizarem no âmbito terapêutico. É importante ressaltar que a realidade virtual é parte de um tratamento composto por diversas etapas. Por exemplo: uma mesma fobia pode ter inúmeras raízes, sendo que cabe ao profissional avaliar o melhor direcionamento”, diz a psicóloga.
Por isso mesmo, nada de “tratamento à distância” ou algo no estilo “faça você mesmo”. Esses sintomas são coisa séria e devem ser feitos com o acompanhamento de profissionais para que o processo realmente tenha o efeito desejado. E com o passar do tempo, vai ser cada vez mais fácil conseguir tratar fobias e outros problemas similares entrando de cabeça na realidade virtual.
Fonte: Tecmundo