Postado em segunda-feira, 18 de julho de 2022 às 13:20

Cintura baixa e culto à magreza: por que a moda ´y2k´ acende alerta sobre transtornos alimentares?

Kim Kardashian e outras famosas perderam peso, em meio a revival da estética dos anos 2000. Mas será que algum dia a perigosa pressão por corpos muito magros saiu de moda?


 O casal "Bennifer" reatou, ídolos do tempo do Furacão 2000 estão de volta às paradas e a calça de cintura baixa é moda de novo, para desespero de muitos. Sim, os anos 2000 estão com tudo. E, com eles, voltaram também alguns fantasmas dessa época. Por exemplo, o culto à magreza escancarado na moda — e a perigosa pressão em torno disso.

É um dos principais assuntos das redes. Vídeos com a hashtag "#y2k" ("year 2000" ou "ano 2000", em português) tem mais de 7 bilhões de visualizações no TikTok. Boa parte deles relembra o estilo e a estética de 20 anos atrás, mostrando como adaptar tudo isso à moda de hoje.

Para quem tem intimidade com a indústria fashion, não é nenhuma surpresa. "Na moda, existe o que chamamos de ciclo de 20 anos. A cada 20 anos, começamos a revisitar as estéticas que foram fortes 20 anos atrás", diz Sofia Martellini, analista da empresa de previsão de tendências WGSN.

"Em 2010, estávamos olhando para os anos 90. Nos anos 90, muito do que era tendência foi tirado dos anos 70. Esse ciclo se repete."

Isso acontece, ela explica, porque as gerações se renovam e o fator nostalgia cria uma visão romantizada das lembranças de infância da geração atual.

E a geração Z, a primeira que já surgiu digital, é especialmente nostálgica. Nascida depois da virada do milênio, essa turma cresceu junto com a dependência da internet e a importância das redes sociais. Suas lembranças de infância estão todas documentadas em formato jpg, mp3, mp4, txt etc.

Por isso, em 2022, o estilo dos anos 2000 ficou mais popular justamente entre os novinhos: adolescentes e jovens adultos, que mal se lembram ou nem viveram essa época. "Não é uma nostalgia de um tempo em que eles viveram. É uma ideia desse tempo", conclui Martellini.

Moda antiga
O culto à magreza na moda é mais antigo que qualquer hit da Britney. "A magreza nunca saiu de moda. Desde os anos 90, quando começou o ´heroin chic´ [estética da magreza extrema, associada ao uso de heroína ou outras drogas], o corpo muito magro nunca deixou de ser a maior referência", afirma a analista de tendências.

"A moda sempre reforçou um padrão de beleza inacessível: corpos sem curvas, com ossos aparentes."

A frase acima é da nutricionista Fernanda Imamura, que colabora com o Programa de Atendimento, Ensino e Pesquisa em Transtornos Alimentares na Infância e Adolescência do Hospital das Clínicas da USP.

"Isso gerou uma legião de pessoas insatisfeitas e alimentou a indústria das dietas restritivas, que podem ser um gatilho importante pro desenvolvimento dessas doenças, quando combinados a outros fatores", ela acrescenta.

Só muito recentemente, por causa da pressão por mais diversidade, algumas grifes passaram a incluir modelos maiores e pensar em roupas para corpos mais reais. Mesmo assim, em muitos casos, esse debate parece ser incorporado muito mais por uma questão publicitária.

Um bom exemplo é a capa da revista "iD" com a modelo considerada plus size Paloma Elsesser usando a polêmica minissaia de cintura baixa da Miu Miu. O que falta em tecido na peça, fenômeno da moda no primeiro semestre de 2022, sobra em inspiração nos anos 2000.

A capa surpreendeu por quebrar o padrão que geralmente é associado a esse tipo de peça, mas a Miu Miu acabou sendo criticada porque, na loja, para os consumidores, só vende minissaia até o tamanho 46.

"As marcas estão atentas ao debate, mas o progresso na moda acontece de forma muito lenta, principalmente no mercado de luxo. Nele, há a questão da exclusividade e as grifes se apoiam no discurso de que não têm consumidores de tamanhos maiores", explica Martellini.

Acessório cobiçado

A saia da Miu Miu numa modelo plus size só causou tanto burburinho porque, no mundo da moda e das celebridades, uma peça tão curta e de cintura tão baixa quase sempre é vista em quem tem a barriga chapada e as pernas finas. Ou seja, em corpos muito magros.

Isso mostra como as roupas minimalistas de 20 anos atrás excluíam escancaradamente a maioria dos corpos. Basta ver como eram os corpos dos ícones da moda naquela época: Paris Hilton, Britney Spears, Lindsay Lohan, as irmãs Olsen (em 2004, aos 18 anos, Mary-Kate Olsen chegou a ser internada para tratar anorexia).

Há quem diga que, nos anos 2000, o acessório mais cobiçado da moda era a magreza. Junte a isso o início da popularização das redes sociais, um terreno perigoso de estímulo aos transtornos alimentares.

Blogs e páginas com informações sobre como emagrecer de forma não exatamente saudável se espalharam pela internet, e colocaram a saúde de uma geração em risco.

A nova Kardashian
Depois, o padrão mudou. Nos anos 2010, veio a era dos corpos volumosos -- ainda magros, mas mais curvilíneos. Uma época representada pela figura das irmãs Kardashian.

Mas, agora, a sensação nas redes é de que tudo está diminuindo de novo. Celebridades como Bruna Marquezine, Rafa Kalimann e Anitta perderam peso nos últimos anos. Até Kim Kardashian -- símbolo máximo do padrão curvilíneo dos anos 2010 -- adotou um visual mais magro.

"O emagrecimento dessas famosas não necessariamente está ligado à estética dos anos 2000. Mas, sim, trazer essa estética de volta acaba trazendo também esse corpo muito magro, que foi pauta na época", avalia a analista da WGSN.

"Ao mesmo tempo, essas celebridades também estão inseridas na indústria, são pressionadas e criticadas por emagrecerem. Não importa muito o que elas fizerem, vão ser sempre atacadas. É complicado querer regulamentar o corpo delas."

Sinais de alerta
Se, nos anos 2000, alguns pais se preocuparam pela primeira vez com a possibilidade dos filhos desenvolverem transtornos alimentares, hoje o problema afeta jovens cada vez mais novos, segundo a nutricionista Imamura.

Um dos fatores por trás disso, diz ela, é o contato precoce com padrões de beleza na internet. "O TikTok, por exemplo, tem muito conteúdo prejudicial, como vídeos que prometem ensinar a perder peso de forma rápida. Além disso, há corpos expostos o tempo todo. Isso gera muita comparação".

Em suas diretrizes, a rede diz excluir conteúdos que possam induzir transtornos alimentares. Mas nem sempre a influência acontece de forma tão direta.

"Os anos passam e essas coisas acabam sendo repaginadas. Hoje, é quase inviável que o ´heroin chic´ dos anos 90 seja cultuado abertamente, mas existe a onda do bem-estar, do ´wellness´, que também reforça um padrão limitado."

Se a obsessão pela vida mais saudável ou a relação com a comida gera sofrimento ou prejuízo na vida social, isso pode ser sinal de um transtorno alimentar. Mas, nos adolescentes, os indícios costumam ser mais difíceis de perceber, explica a nutricionista."Eles não necessariamente irão começar uma dieta restritiva, mas podem diminuir quantidades, cortar radicalmente frituras, doces e outros alimentos que gostam. Às vezes, isso é entendido pelos pais como uma mudança saudável. Podem aplaudir e até incentivar esse comportamento, mas é preciso ter atenção."

Imamura cita alguns comportamentos típicos do transtorno alimentar em pessoas mais jovens, que podem ser sinais de alerta para os pais:

Falar com frequência sobre insatisfação em relação ao corpo;
Restringir a alimentação gradualmente ou decidir parar de comer algum grupo específico de alimentos (carboidratos, por exemplo);
Ficar mais tempo sem comer;
Ter interesse excessivo no rótulo dos alimentos, buscando informações sobre calorias e nutrientes;
Mudar repentinamente de rotina (por exemplo, passar do sedentarismo direto à prática de exercício constante e intensa)




FONTE: G1



DEIXE SEU COMENTÁRIO

Caracteres Restantes 500

Termos e Condições para postagens de Comentários


COMENTÁRIOS

    Os comentários são de responsabilidade exclusiva dos autores.

     
     
     
     

Nós usamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nossos serviços, personalizar publicidade e recomendar conteúdo de seu interesse. Ao utilizar nossos serviços, você concorda com tal monitoramento. Informamos ainda que atualizamos nossa

Estou de acordo