Aporofobia
Autor(a): Roberto Camilo Órfão Morais
O triste e revoltante episódio envolvendo a diarista Ilza Ramos Rodrigues, ocorrido em Itapeva, interior de São Paulo, durante a entrega de um marmitex, após revelar sua intenção de voto para Presidente da República, ao empresário Cássio Joel Cenali, o qual a humilhou por isso, evidenciando a crueldade de uma sociedade marcada pela intolerância e ódio.
Ilza disse à coluna de Monica Bergamo, na Folha de São Paulo, destacou: "Fiquei sem ação. O jeito que ele falou mexeu com a minha mente, não é brincadeira. O que ele fez foi me humilhar. Só porque ele tem dinheiro, tem o carrinho dele, ele quis me humilhar com essa ação. Eu não posso nem ver [o vídeo]".
Esse episódio viralizado nas redes sociais me fez lembrar a filósofa espanhola Adela Cortina, que criou nos anos 1990, a palavra aporofobia, que significa aversão às pessoas pobres e à pobreza. Padre Júlio Lancellotti, que utiliza constantemente essa palavra, nos alerta sobre a necessidade de atenção e discernimento para a tomada de posição diante das desigualdades que produzem pobreza, miséria e fome.
A realidade é que a pobreza, miséria e fome a0 qual são expostos milhões de pessoas e famílias, sempre foi mecanismo de manutenção de poder, artifício perverso de um sistema de dominação e privilégios. Mecanismo muito bem caracterizado no clássico livro de Victor Nunes Leal, nos idos de 1948, ‘Coronelismo, Enxada e Voto’, atualizado com um discurso de eficiência, meritocracia e caridade dos chamados “homens e mulheres de bem”, nos dias de hoje.
São João Crisóstomo, o ‘boca de ouro’ (significado de Chrysostomos em grego), considerado por muitos, como o maior pregador da história da Igreja, nos sermões sobre ‘o pobre Lázaro e o homem rico’, afirma que roubo não é apenas desvio de terceiros, “Deixar de compartilhar seus bens com outros é roubo, embuste e fraude”, pois esclarece que os bens e, os recursos são concernentes a todos.
Em todo pensamento de São João Crisóstomo há uma ‘Visão Cristocêntrica’ do pobre: “(...) devemos alimentar Cristo na pobreza”; assim como escreveu Padre Júlio Lancellotti: “Os empobrecidos de todos os tempos, na história da humanidade, são os Lázaros, cheios de chagas, sentados à porta dos ricos e abastados, que ignoram a dor dos pobres, e por indiferença se tornaram réus no julgamento da história”.
Construir um Brasil digno para todos, implantando políticas públicas que visem de fato a promoção social, a inclusão é o grande desafio que se coloca a todos os brasileiros e brasileiras. Superar uma mentalidade retrógada e elitista, pelo exercício pleno da cidadania é premente, para que no futuro, as novas gerações sintam orgulho do que fizemos com ousadia, criatividade e coragem.
Respeitar as diferentes opiniões, sejam elas políticas, religiosas, culturais independente da condição econômica e social da pessoa é antes de tudo, avanço civilizatório de respeito ao outro em sua plena dignidade como filhas e filhos de Deus.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Alfenas Hoje