Postado em 19 de outubro de 2020

O curso natural das águas políticas

Autor(a): Humberto Azevedo

Depois de um 2.013 que chacoalhou o ambiente político e resultou num 2.016 de cicatrizes permanentes, num 2.018 com ares de 1.964, o ano de 2.020, com pandemia a parte, vai devolvendo ao cenário político e partidário brasileiro o seu curso natural das águas. Uma semana após abandonar o radicalismo dos setores extremistas que lhe apoiam, o presidente Jair Bolsonaro vai levando o seu bolsonarismo para o mesmo porto, de onde partiu, combinando o populismo de direita herdado das hordas de um Ademar de Barros com a virulência de um Tenório Cavalcanti.

Nascido em 1.954, no fatídico ano em que para sustar o golpe que rondava as cercanias do Palácio da Guanabara, Getúlio Vargas comete suicídio que matou alguns de seus adversários e inimigos políticos e que desarticulou as ações contra o seu grupo político representado pelos partidários de Joaquim da Silva Xavier, Bolsonaro, sem messias e ainda sem filiação partidária oficial, vai voltando para aquilo que ele é: simpatizante de Paulo Salim Maluf que encarnava o mundo civil idealizado pelos militares que tomaram o poder em 1º de abril de 64 e fincaram raízes sólidas em 13 de dezembro de 1.968.

Assim, Bolsonaro vai levando o seu bolsonarismo para o velho e novo malufismo, herdado do ademarismo que de maneira profusa permite a convivência fraterna e pacífica entre aqueles que orbitam em torno do partido de Tiradentes com os mesmos que odiavam o getulismo e que se movimentam em volta das legendas que representam os ideais de Joaquim Silvério dos Reis Montenegro Leiria Grutes.

Se as eleições de 2.018 tendeu o Brasil à direita, Bolsonaro, que inicialmente assustava pelo temor de que poderia levar o país numa aventura desvairada pelos caminhos trilhados por Plínio Salgado num sonho fascista tupiniquim chamado de integralismo, vai devolvendo o país as suas vocações originais espoliadoras e escravagistas traçadas pelos fundadores da Terra de Santa Cruz e, posteriormente, renovada em 1.822 quando o cordão umbilical com os patriarcas fora rompido. A partir de então, o país e sua gente se mobilizam entre dois projetos antagônicos. Um busca o desenvolvimento autônomo, enquanto o outro quer a permanecia dos princípios colonizadores, que visa manter o país como simples fornecedor de matérias primas para o mundo.

Bolsonaro está agora, neste momento, vivendo justamente em seu seio as divisões que estes dois projetos de Brasil travam desde quando o movimento dos inconfidentes foi descoberto e punido pela então Coroa portuguesa nos idos dos anos de 1.789. O Brasil da emancipação contra o Brasil do atraso não é exclusividade de um governo. Todos, a partir de 1.823, se viram pressionados tanto pelos partidários de Tiradentes, quanto por aqueles que se simpatizam pelo partido de Silvério dos Reis.

Se com seu suicido, Getúlio Vargas desorientou a turma de Leiria Grutes por dez anos, estes só ficaram mais fortes a partir de então quando viram a vida ameaçada e jogados a própria sorte e aos leões, assim como acontecera um século e meio antes com o criador deste espectro político nacional. O embate entre os emancipadores e os vendilhões não é sempre o mesmo. Por vezes, quem lutou nas fileiras da agremiação de Tiradentes termina sua luta servindo aqueles que entendem que a única vocação nacional é a entrega a custo vil das riquezas da pátria.

No meio deste tiroteio sem fim é que o capitão, tido como exímio atirador e paraquedista dos tempos do Exército que quase foi expulso por arquitetar ações terroristas em 1.986, se encontra. Após conseguir êxito na sua luta anti-petista ao reunir milhões de brasileiros de discursos completamente diferentes, Bolsonaro terá que fazer as escolhas agora por si só. Neste primeiro passo, ao abandonar os extremistas e radicais, Bolsonaro mostra frieza política. Mas o jogo está longe por terminar e a guerra, infinita, pronta a recomeçar sempre que um movimento é feito por um disparo. No momento não dá para saber quem está na frente. Se os partidários de Tiradentes, ou se os simpatizantes de Joaquim Silvério dos Reis.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Alfenas Hoje

Humberto Azevedo
Jornalista e consultor político
Humberto Azevedo é jornalista profissional, repórter free lancer, consultor político, pedagogo com especialização em docência do ensino superior, além de professor universitário, em Brasília (DF).



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