Postado em sábado, 19 de março de 2016 às 15:47

"Judicialização da política" é um risco para a democracia, avalia cientista político

A avaliação foi feita pelo cientista político Sandro Cerveira, professor da Unifal e doutor pela UFMG.


 Alessandro Emergente

A crescente judicialização da política pode representar um risco à institucionalidade democrática no Brasil. A avaliação foi feita pelo cientista político Sandro Amadeu Cerveira, professor do curso de Ciências Sociais da Unifal (Universidade Federal de Alfenas) e doutor em Ciência Política pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

A avaliação foi feita durante um debate que discutiu a atual crise política no Brasil, realizado na noite de sexta-feira na Unifal. O encontro, que lotou o auditório Dr. Leão de Faria (no campus central da Universidade), reuniu professores e pesquisadores das áreas de Sociologia, História, Ciência Política e Literatura.

Na avaliação de Cerveira, existe um risco para institucionalidade democrática com a crescente judicialização da política, o que pode se transformar em um “governo de juízes”. Lembrou que dos três poderes, o Judiciário – ao contrário do Legislativo - é o que menos sofre fiscalização externa, o que agrava a situação. 

O cientista político Sandro Cerveira, mediador do debate, análisa como preocupante a
judicialização da política como um fenômeno crescente (Foto: Alessandro Emergente)

A análise de Cerveira foi feita após dois debatedores traçarem um paralelo da crise atual com períodos ditatoriais no Brasil e no Chile. A professora Marta Gouveia de Oliveira Rovai, doutora em História Social pela USP (Universidade de São Paulo), resgatou o comportamento que precedeu o golpe militar de 1964. Disse que a história não se repete, mas estratégias permanecem ao lembrar a cultura política autoritária presente na história brasileira.

Contexto histórico

O professor Ítalo Oscar Riccardi Léon, doutor em Estudos Literários pela UFMG, é chileno e relembrou o quadro político que antecedeu a deposição, em 1973, do então presidente do Chile Salvador Allende. Léon citou elementos presentes na crise atual da política brasileira com as do Chile no início da década de 70, o que classificou como “sinal grave”.

Para Cerveira, não há risco da cultura política autoritária no Brasil se manifestar por meio de um golpe militar. Porém, nos últimos anos o Legislativo e o Executivo acabaram se omitindo – por receio da reação da base eleitoral – na regulamentação de temas polêmicos. Função que foi assumida pelo Judiciário. Um exemplo é o reconhecimento da união estável para pessoas do mesmo sexo, pelo STF (Supremo Tribunal Federal), em 2011.

Ao analisar a judicialização da política, o cientista político analisou ainda que a intensa pluralidade, presente na sociedade brasileira, produz “mitos unificadores”. Apontou, no imaginário da população, um pensamento de que o Judiciário é portador de uma “sabedoria etérea” e descolada das relações sociais – o que justificaria a aceitação de um “governo de juízes”.

Pouco antes, o professor Lucas Cid Gigante, doutor em Sociologia pela Unesp (Universidade do Estado de São Paulo), abordou a “ficção da imparcialidade no Judiciário”, colocado como polo virtuoso no imaginário popular. Citou que há um trânsito cotidiano entre os sujeitos do Judiciário e da esfera política, afastando a ideia de descolamento das relações sociais. A judicialização da política parece, em sua análise, um braço politicamente orientado.

Crise política não específica do Brasil

Já o professor Raphael Nunes Nicoletti Sebrian, doutor em História Social pela USP, disse que a crise político-institucional no Brasil não é específica e tem sido vivenciada por outros países da América Latina. “É preciso um olhar latino-americanista (para compreender o contexto)”, disse.

Sebrian citou a ascensão e queda de governos eleitos a partir de coalizões, estratégia fundamental para que partidos de esquerda chegassem ao poder na América Latina. No entanto, em virtude dessa característica, parte dos projetos enraizados em suas origens não foi colocado em prática. Um exemplo é a chegada do PT ao poder em 2002.

Esses governos foram classificados por analistas liberais como “eixo do mal” apesar de seus programas de governo não se proporem a implantação do socialismo como alguns críticos afirmam. “Isso já estava dito lá em 2002 (no programa de governo)”, citou no caso do Brasil. 

Acima, os debatedores e, na foto abaixo, o auditório lotado (Fotos: ICHL/Unifal - Divulgação)

Sebrian disse que a desestabilização do governo brasileiro, de centro-esquerda, é um fator importante de enfraquecimento de uma política internacional na América Latina. Citou, por exemplo, a importância do Brasil no Mercosul e do bloco econômico na redução da dependência de países como a Bolívia em relação aos Estados Unidos.

O historiador lembrou que a história democrática na América Latina é recente e chegou a ser interrompida nas décadas passadas. “A cultura política autoritária faz parte da história política da América Latina e tem se apresentado (recentemente)”, comentou.

Apesar da inserção do Brasil no contexto latino-americano, Sebrian lembrou que há especificidades em cada caso e que, portanto, as soluções não são iguais para esses países.

O debate, realizado na Unifal, foi promovido pelo Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL) da Universidade.

 



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